quinta-feira, 30 de abril de 2009

Conflito intercultural...

Após um longo período sem postagens no célebre espaço a ele reservado na rede mundial, Flubber® se depara com um novo golpe do acaso. Não que nesse período não ocorressem outros fatos dignos de registro, nunca teria tamanha pretensão de dizer que a vida do físico teria um período tão longo de calmaria psicológica, mas a saudade às vezes move os dedos sobre o teclado, ao mesmo passo que a preguiça os freia.

As linhas a seguir retratam um momento onde ocorre o alinhamento entre a profunda euforia do potencial cientista com a sagaz força motriz da máquina acadêmica, essa que a ninguém perdoa. O momento do trágico cômico em sua forma mais pitoresca: a prova de cálculo. Não precisamente esse momento, mas os momentos anteriores a ela.

Sabe-se de longa data que o Cálculo Diferencial e Integral é a disciplina menos amada pelos graduandos do estimado curso de Física. O encontro de um aluno mal preparado com uma prova desse conteúdo costuma resultar em choro, ranger de dentes, dependências, cancelamentos de matrículas e, em casos mais extremos, pedidos de transferência para o curso de Psicologia. E foi em um momento próximo a esse que Flubber® se encontrou com a realidade. Dizia ele a si mesmo: “Que faço eu se faltei as duas últimas aulas da disciplina e a prova é amanhã?”. Duas respostas costumam satisfazer a esse questionamento com absoluto sucesso: “Estudar feito um louco e virar a noite” (para os desesperados que acreditam nesse método) e “Convidar um grupo de colegas para o bar mais próximo para uma longa discussão sobre o assunto” (outro método que nunca funciona). Por fim, Flubber® tinha uma trapaça escondida, quase um conto do vigário: a matéria do semestre toda está em seu fichário, e ele já fez essa prova outras duas vezes. Com o mesmo professor. Nesse caso, uma terceira opção o agradou o suficiente: rever as fórmulas, resolver dois exercícios e tomar o resto do tempo pensando em seções futuras de RPG.

Na manhã seguinte, aquela fatídica manhã, Flubber® está à sala, pronto para a avaliação. Que venham Newton, Laplace e Leibniz, e que venham juntos, pois caso contrário a briga não terá graça. Ao invés dos ilustres filósofos, entra o professor Prado, um caro representante do departamento de matemática da instituição, um fruto inevitável da política importadora brasileira que não se contenta com a produção nacional e traz carros, laranjas, petróleo, eletrônicos e professores de matemática despudoradamente de países estrangeiros. A origem da figura é discutida vorazmente pelos alunos pelos corredores, mas o fato é que ele é um homem que fala espanhol e se esforça para conectar o português em suas frases e se fazer entendido, elaborando um idioma completamente novo, não entendido pelo que fala espanhol e nem pelo que fala português. Para os alunos de física, porém, a forma de expressão do profissional está aquém do necessário.

Após uma breve avaliação do material avaliativo, Flubber® toma a atitude que qualquer um tomaria em seu lugar: ao notar o baixo grau de exigência e o fator político que aquilo representa no decaimento da qualidade do ensino superior e a posterior desvalorização conhecida do profissional graduado, Flubber® rasga sua prova e a lança contra a face do professor, concentrando toda sua frustração política e desgosto pelo sistema educacional em uma frase curta: “Tua mãe é uma vaca venezuelana!”

Antes de anunciar a recomendação de que outros estudantes não deveriam seguir esse exemplo, gostaria de ressaltar aqui a necessidade de se protestar contra o sistema de ensino do país e contra a subvalorização da graduação a nível nacional. É necessário quebrar o vínculo com a cultura quase religiosa de seguir o conhecimento comum como única regra ditadora de conceitos e valores morais e lutar pelo aprimoramento dos formadores de opinião. Agora anuncio a recomendação de que outros estudantes não deveriam seguir esse exemplo.

Com reação à afirmação e atitude do físico, o professor cerra seus olhos e os abre novamente lentamente, com um ar contido e uma frase entre os dentes: “Mi madre es... ARGENTINA!!!”. Em seguida, guerrilheiros das FARC saltam rolando de trás das carteiras (a camuflagem deles é realmente versátil!) atirando sem um alvo específico. Flubber®, se protegendo atrás de carteiras e saltando de trás de uma para trás de outra, sob uma chuva de sangue de físicos e engenheiros, procurava pela saída, incapaz de protestar que as FARC pouco têm a ver com a Venezuela e ainda menos têm com a Argentina, pois além do cenário ruidoso, o professor completava o momento intercultural com tiros para o alto e brados de “Viva Fidel!”.

Agora aos fatos. A verdade é que a prova não era naquele dia, e sim na semana seguinte. O problema é que Flubber® anunciou a seus amigos sua preocupação com a prova para aquele dia e, ao perceber seu engano, precisava de uma boa história para contar. Infelizmente, as pessoas costumam acreditar apenas até o ponto em que surgem os guerrilheiros. A falta de fé desse povo realmente é perturbadora. Mas olhando sob outra óptica, o termo “Vaca venezuelana” tem um impacto interessante...