domingo, 20 de junho de 2010

Correios... curiosos correios...

A dádiva da comunicação não é um privilégio humano. Já foi mencionado nesse mesmo blog o quão eficazes são os animais em demonstrar certas informações (como "estou com fome", "estou feliz", "você pisou no meu rabo, cacete", etc), e se me engano e não foi mencionado... sinto muito, não acho que cabe falar muito a esse respeito.

Apesar disso, os animais humanos se eximiram historicamente em desenvolver sua comunicação a níveis onde a eficácia não pode mais ser discutida. Desenvolveram uma linguagem falada, transformaram em escrita, criaram registros, inventaram formas de correio de informações, entre muitas outras aquisições respeitáveis. Com o passar dos tempos, deixou de ser um conforto e passou a ser uma necessidade, um aguardo ansioso. Uma demonstração da importância dada a certas informações foi a corrida de Pheidippides para anunciar a vitória na batalha de Marathona (logo após a corrida para pedir reforços a esparta), que terminou em sua morte por exaustão. Dito pelo não dito, a tragédia alheia inspirou as atuais maratonas, onde se colocam vários animais humanos a correr um trajeto sem algum objetivo aparente além de chegar antes do outro ao fim do percurso predeterminado, e sem mortes, o que tira metade da diversão. A veracidade da história pode ser questionada, os estudantes de História podem querer me lançar pedras pela história mal contada, o fato é que de lá pra cá a comunicação e seus meios sofreram certas distorções irreversíveis. Disserto a respeito.

O rádio pode ser um exemplo clássico. Quando no século XIX foi desenvolvido o primeiro sistema de transmissão de informações por ondas de rádio (dizem algumas más línguas que a invenção não é de fato de Tesla, mas foi a ele atribuída pois usava duas dezenas de patentes suas), não se tinha em mente alguns avanços que ocorreriam dali em diante. Da rádio transmissão à rádio comunicação utilizada em guerra, à rádio transmissão utilizada nas grandes cidades como mídia de alcance massivo e à sua avó sentada na cadeira de balanço ouvindo música sertaneja houveram alguns saltos tanto em conceitos tecnológicos quanto em conceitos comerciais. Seja como for, o inventor jamais imaginou sua criação transmitindo o Rebolation, o que poderia atribuir-lhe um fardo semelhante ao de Santos Dumont ao saber que sua invenção (questione a autoria quem quiser) fora usada como máquina de guerra, ou ao de Oppenheimer por presidir o projeto Manhattan e a criação da bomba atômica dos Estados Unidos (ele se arrependeu, pobre diabo, suas intenções certamente eram as melhores ao criar uma arma de destruição me massa de fissão nuclear).

Por fim, não pretendo me alongar a ponto de falar sobre o correio eletrônico e sobre os pseudo cartões virulentos de natal (em abril), sobre a televisão como maior meio de propaganda e entretenimento, a internet como maior meio de divulgação pornô, ou ao fato de estar o país sentado em frente a televisores assistindo outro evento mundial de grande importância (animais humanos com roupas coloridas correndo atrás de uma esfera de material dúbio e cheia de ar para lançá-la a uma rede) e Flubber® estar sentado em frente a um computador. Desejo me reter em um meio bastante rudimentar de comunicação, embora ainda muito útil: o correio.

O princípio do correio, creio, é bastante simples, embora sua organização não o seja: algum objeto precisa abandonar seu local de origem e atingir certo destinatário distante. O objeto pode variar de uma carta a um pacote com bactérias infecciosas, o fato é que virtualmente tudo que se deseja transferir de uma região a outra pode ser deslocado na medida do bom senso. E o bom senso de alguém me atingiu em cheio no meio do escalpo.

Certa feita, empresas de cartão de crédito concluíram que seria uma boa estratégia de marketing enviar cartões prontos e cadastrados por correio. Simples assim: seu cadastro é feito e dias depois você fica sabendo! Incrível, não? Com o passar de alguns anos, um certo serviço de defesa dos direitos dos consumidores (um órgão ainda tímido e em ascenção) concluiu que não era interessante ao consumidor ter seu cadastro efetuado sem sua permissão prévia, enquanto as mesmas empresas argumentavam dizendo que bastava o consumidor insatisfeito cancelar seu cadastro e não pagaria os boletos que não solicitou (um processo bastante simples que envolve uma ligação, uma meia hora de espera e uma taxa simbólica - afinal você está cancelando um serviço, antes não o tivesse assinado... opa, peraê... você não assinou?). O arremate do assunto foi que a prática foi por fim considerada ilegal, e as empresas passaram a ser obrigadas a solicitar a permissão das pessoas para fazer seus cadastros (maldade). Terminado esse assunto, apelaram para táticas de marketing mais tradicionais: fazer a proposta e tenta agradar o consumidor de alguma forma (que pode ser uma proposta a preços mais baixos ou até mesmo a omissão dos detalhes do contrato - afinal, o que os olhos não vêem, o coração não sente). Então elas passaram a pedir o telefone de seus potenciais consumidores às empresas de telefonia, e passou a ligar, tratando-os educadamente pelo nome e oferecendo serviços mal explicados.

Por fim, alguém concluiu que essa prática violava a privacidade das pessoas, que poderiam não se agradar de ter seu telefone divulgado a empresas que nada têm com elas. A partir daí, se a empresa deseja conquistar algum consumidor via telefone, precisa chutar números e fazer suas propostas a quem atende.

Por fim, toda essa coisa de telefone se relaciona no correio no ponto em que chegam à minha casa duas cartas endereçadas à minha pessoa. Não, eu não tenho um cadastro com a American Express, e muito menos com o Padre Hamilton José Naville, o fato é que eles me encaminharam, respectivamente, uma proposta de cadastro de cartão de crédito e uma medalha milagrosa. A proposta de cartão de crédito traz a oferta imperdível que, se você o utilizar a cada três meses, não paga a taxa de inatividade de trinta reais, além de alguns números de telefones e uma certa taxa de juros. O envelope da medalha milagrosa, por sua vez, traz um panfleto que diz "Medalha Milagrosa - um presente vindo do céu" (o que me sugere que recebi um fragmento de meteorito), além de uma carta com alguns dizeres sobre a importância da medalha, a vontade de deus na minha vida, uma assinatura digitalizada e uma lista de opções para resposta (que, resumidamente, em outras palavras, dizem "gostei de receber a medalha", "gostei muito de receber a medalha" e "gostei tanto de receber a medalha que vou te mandar dinheiro"). Desdobrando a carta, descubro um boleto bancário sem valor definido (basta enfrentar uma fila de banco e você pode fazer uma doação para agradecer pela medalha milagrosa).

Não quero recair no ponto das propostas e sugestões das cartas supracitadas (e ressalte-se aqui que "resumidamente", "ascenção", "cadastros", "avanços", entre outros, são sublinhados em vermelho pelo navegador como palavras desconhecidas e "Possíveis equívocos de linguagem", ao passo que "supracitada" é um verbete de uso bastante comum sendo, assim, uma palavra conhecida). Quero sim recair nas táticas de marketing utilizadas por essas pessoas (jurídica e, espero, física, respectivamente). Consulta-se um banco de dados e se recebe um nome completo associado a um endereço completo, então se faz uma proposta pessoal, educada e dirigida ao nome da pessoa, afinal, veja bem, não se pode passar o telefone das pessoas às empresas pois isso caracteriza uma quebra de privacidade. Por fim, concluo que, de acordo com certas lógicas, "tudo bem o sujeito saber onde eu moro, desde que não me ligue".

Tenho por convicções religiosas que não gosto de religião, não uso cartão de crédito e que adoro queijo. Tenho também por ideal que não dou meus dados a ninguém com quem não tenho negócios, pois valorizo meu espaço e minha privacidade. No final das contas, as correspondências que recebi ontem agridem duas de minhas três convicções religiosas e sugerem que em algum momento violei meu ideal. Caso a última afirmação seja falsa, alguém me fez o favor de violar meu ideal por mim, e ideal é como o ânus: cada um tem o seu, e a maioria não o quer violado.

Fecho esse conto das peripécias comunicativas humanas por aqui, sem conclusão mesmo, como de péssimo costume meu, apenas para sugerir a mensagem a quem a captou. De resto, espero que o jogo termine logo, pois meu gosto por fogos de artifício se limita aos de bela estética, e não aos de barulho interminável.