quarta-feira, 29 de julho de 2009

Tão tão distante...

Perante o incrível, o assombroso, o enfadonho ou simplesmente o incomum, animais, dotados de seus complexos sentidos, apresentam diferentes reações, devidas a seus condicionamentos ou a seus instintos inatos, desde o cão que late voraz ao ameaçador invasor de território que, dizem as más línguas, não é nada além de um carteiro, à aranha que foge do destemível predador vassoura, de posse da senhora dona de casa que, certamente, não está muito mais à vontade que o aracnídeo com o encontro humano-artrópodo. Mas nem todas as reações possuem uma lógica muito bem definida: elefantes correm desesperados do rato medonho que se aproxima impetuoso de suas frágeis patas de meia tonelada e aparentemente alguns cães, mesmo sendo logrados de não sentirem prazer sexual como o humano ou o golfinho, tentam insistentemente copular com parceiros de sexos arbitrários, ignorando completamente a necessidade ou não de reprodução e o fato de que possivelmente será surpreendido por um balde d’água que sucede alguns dolorosos momentos em que sua genitália estará presa em algum furo igualmente arbitrário do cão vizinho. Muitas ações e reações curiosas, alguns viriam a dizer, mas se esquecem esses maus observadores que um animal específico não se limita a estranhas reações, mas se exime em romper a lógica animal, reage não meramente em desacordo com o bom senso e os padrões dos bons costumes zoológicos, mas força seu caminho contra as barreiras da normalidade e do instinto de sobrevivência e passa a encarar o estranho como um fator de seu cotidiano com o qual deverá arcar e, que Deus os perdoe, se divertir. Contraria as formas da natureza, mas é autoconfiante o suficiente para encarar com normalidade as furiosas reviravoltas climáticas e bem humorado para satirizar as tormentas biológicas virais ou as mortes de certas figuras que a elas se assemelham. O leitor mais desavisado derrubará seu queixo sobre a mesa a imaginar que tipo de criatura da natureza seria capaz de tamanha bestialidade, mas a fecharia novamente a lembrar dos próprios comentários a respeito de Michael Jackson, o falecido rei do pop (talvez mais famoso pelo “falecido” que pelo “rei do pop”). Sim, o animal humano. Quem no universo imaginaria uma espécie capaz de gerar o movimento emo, a Egüinha Pocotó, a pamonha doce e os Teletubbies?

Perante a tempestade, ao invés de berrar ao ar ou se esconder sob a mesa, o animal homem assiste filmes, toma banhos de chuva ou sai para trabalhar, pára para observar com atenção os animais de ronco assustador e velocidade alucinante, que para eles nada mais é que um veículo de motor de oito cilindros, e invejam com veemência os animais que vivem dentro desses outros. E não suficiente, encaram muitas vezes com coragem incêndios e grandes volumes de água, mas fogem amedrontados de baratas. Alguns riem do inesperado, outros olham com desconfiança. Mas como classificar Flubber®, que ao invés de assumir qualquer das atitudes mencionadas decide, ao se deparar com o estranho, escrever e registrar o que vê?

Ao cabo de inúmeros acontecimentos estranhos memoráveis, desde a enfadonha demonstração de poder de certo sujeito no Interbairros II, que urinava vorazmente na roda da máquina legendária, até a falta de tino do colega físico que, ao se deparar com uma antiga impressora no museu de informática da UFPR declarou “quantas cervejas será que cabe ali dentro?”, culminou que o primeiro em meses que moveu os dedos ossudos do físico Flubber® não surgiu da ferocidade climática, da sinuosidade animal, do absurdo da movimentação da massa populacional, mas sim na pequena esfera da relação interpessoal... mais precisamente uma criança. Disse ela em tom curioso “Nossa... mas tem um cabeção...”. Nada mais digno de registro. Apontava ela impressionada para Flubber®, a representação da inocência e, naquele momento, do espanto perante a desmedida manifestação de opinião estética vindo de olhos cuja inocência é ainda mais digna de crédito.

A que se deve tal interjeição? Nada além do trivial. Estava a criança (no caso um menino) acompanhada de outras crianças que a punham perante outros animais humanos e diziam “Não pode rir”. À comunicação da condição do momento, o menino passava a se manifestar, arrancando exclamações que partiam do “que gracinha” ao contido “ah, eu mato! Eu mato!”, mas, invariavelmente, arrancando risadas dos interlocutores. Culminou que, ao bater seus olhos sobre Flubber®, a primeira idéia que julgou digna de ressalva foi a respeito da geometria fisiológica do pobre físico. Quanto ao tal físico, nada mais pensou naquele momento além de “a que distância eu consigo arremessar?” e “como será que fica com o caldo de feijão?” mas, a única que expôs ao público foi uma breve risada, não meramente pela graça do momento, mas, em vista da condição “não pode rir”, seria esse o método mais eficaz para evitar comentários dimensionais de qualquer outra sorte. Afinal, o que seria se ele resolvesse falar do nariz?

Resolvido o contratempo silencioso, Flubber® decidiu retornar a seus afazeres, que, naquele momento, rodavam em torno de um pequeno pote de vidro cheio de caldo de feijão. Retomou antes que pensasse em algum experimento físico que possibilitasse o emprego de seres humanos para atestar a precisão de teorias relativísticas.