segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Golpes de sorte

O acaso inspira o imaginário humano há tanto tempo quanto existem humanos para imaginar. A necessidade de acreditar que o acaso segue regras rígidas previsíveis de alguma forma traz alento para alguns, um alento que torna a vida mais tolerável.

Há muito tempo já se buscava formas de prever o que o acaso reserva para as pessoas. Como o acaso é incontrolável, a lógica mais versátil que humanos podem aceitar é que algo com vontade própria o rege, então existem vontades e emoções envolvidas e, por que não, sinais para se comunicar com quem merecer ouvir.

Assim surgiram os oráculos e profetas, pessoas com o suposto dom especial de dizer o rumo das grandes guerras, as melhores decisões políticas e prever a estação seca. Atualmente, as variações incluem líderes religiosos barulhentos e ricos, redatores de jornal que copiam frases de um banco de dados e um polvo que gosta de futebol.

Os métodos variam. Há quem fale de transes, há quem diga que o vôo dos pássaros sinaliza o rumo que os deuses dão ao mundo, há quem diga que os testículos do bode sejam fontes de sabedoria e há quem diga que estados de alteração dos sentidos sejam momentos espiritualmente proveitosos para, entre outros, prever o acaso. Há quem diga que pedir a Deus pode mudar a forma do acaso e há até quem grite com ele em linguagens que não sabem o que dizem (o que não acho muito gentil em uma conversa civilizada com um ser superior, mas quem sou eu para julgar a crença alheia?).

Não vou questionar a veracidade dos supostos dons (algumas vezes sobrenaturais) que alguns dizem possuir e que alguns parecem confirmar. Apenas por uma questão de vocabulário, vou definir aqui que o que estou chamando "acaso" recebe de alguns desses grupos um nome especial: "sorte". Há a variação "vontade de Deus", mas ficarei com a primeira opção por simplicidade e por resumir minha fala.

A palavra "sorte", porém, padece de uma ambiguidade que muitas vezes dificulta a comunicação. "Sorte" para alguns indica algo que se tenha, alguma propriedade atribuída a certos seres, que tendem a ser abençoados com aquilo que julgam agradável com certa frequência por puro golpe do acaso. Seria então uma "pessoa sortuda" alguém a quem o acaso privilegeia constantemente com aquilo que há de melhor.

A Internet me tem feito acreditar que sou sortudo. Ao menos tem se esforçado um bocado. Já fui o visitante número 1.000.000 de vários sites, já tive muitas mulheres querendo se mostrar nuas para mim na webcam e, a última passagem que me marca, é um email comunicando uma premiação.

A carta de correio eletrônico não tinha uma mensagem, apenas uma imagem em anexo com a mensagem. Isso previne que certas cartas de tal importância se percam no filtro de spam, esse que não tolera as sutilezas da sorte. Ela dizia que ganhei 480.000,00 libras, um número com mais zeros entre o último significativo e a vírgula que a maioria dos que estou acostumado a lidar e que indica que estou rico ou gordo. Tendo a acreditar na primeira opção, pois após alguns breves cálculos de conversão concluí que 480.000 libras é um valor um pouco elevado para ser possível a um único humano engordar. Elevado o bastante para, caso eu o engorde, um canadense poderia tomar nota e ter a bondade de me avisar por email.

Fato, não citei que o email dizia ser de uma promoção canadense. E vinha ao final um endereço eletrônico de um fiduciário ao qual eu deveria responder a mensagem com um código de promoção. alguma coisa que terminava em "@bol.com.br". Parece de boa fé.

Como agora julgo estar rico e repleto de mulheres nuas interessadas em mim, acredito ser eu alguém muito bem quisto por aquele que após definições anteriores trato por "entediado supremo". Ele é legal às vezes. Agora preciso aguardar a resposta do email para saber como retirar meu prêmio.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Bola ao mar

Por algum motivo, andei pensando na chamada "Festa do Chá de Boston", ou Boston Tea Party para fazer jus ao nome original. Não me proponho a fazer um blog para falar de história, então vou resumir aquilo que me foi ensinado: colonos do território dos Estados Unidos não aceitavam ser obrigados a comprar o chá que a Inglaterra lhes determinava por lei, então, como foram impedidos de enviar o chá devolta a sua origem, decidiram por jogá-lo ao mar.

É um exemplo de ato "grandes bosta" para alguns, mas tem um significado simbólico fortíssimo: revela insatisfação e demonstra uma tendência forte para a independência. Diz "Se não posso ter o chá que quero, não terei chá", simples assim.

Protestos não são atos fáceis, muito menos simples. Declarar insatisfação e tomar uma atitude contra alguém que, do fundo do coração, não se importa com isso é uma atitude muitas vezes perigosa. Acha que não? Seu cachorro já aprendeu o custo dos protestos. O que seu cão faz quando está bravo com você? Nunca notou? Quem já pisou na bosta dentro da sala de estar sabe do que estou falando. E para repreender o cão, damos algumas palmadas. O cão conhece cedo os custos de andar fora da linha.

Mas eu estive a imaginar uma situação hipotética. Imagine que eles gostassem do chá, mas apenas quisessem a oportunidade de abrir o leque e comprar de outros. Imagine se jogassem o chá ao mar em protesto e, no dia seguinte, voltassem para pegá-lo (afinal, o produto estava pago, que absurdo deixar ali). Após isso, continuam comprando o chá normalmente, como se nada tivesse acontecido. Eles aprenderam a lição. A cena te pareceu absurda? Me pareceu bastante plausível, vi algo parecido há poucos dias.

Nosso país é famoso pela eficiência da manipulação das massas. Uma combinação bastante eficaz de uma cultura pobre, um sistema educacional abandonado e um apelo comercial constante, além de uma série de subsídios sociais, criou para o país uma cultura semelhante ao "pão e circo" que anos atrás chamei (não devo ter sido o primeiro nem o único) de "futebol e fome zero".

Mas há quem perceba que há uma manipulação. Quem disse que a massa é burra, não? Todos dizem "eu tenho opinião própria", "eu sou livre pra fazer o que quiser". Sou bombardeado por discursos de liberdade de opinião e independência cultural todos os dias.

Eu tenho uma má notícia: você não é livre. Eu também não o sou. Somos formados pelo ambiente ao nosso redor. Um ambiente violento cria pessoas violentas que não escolheram ser violentas, apenas aprenderam a acreditar que essa é a melhor opção. Não ouse chamar isso de liberdade. Um ambiente submisso cria pessoas submissas, um ambiente de omissão social cria cidadãos socialmente omissos. O mais interessante é que vejo essas mesmas pessoas falando umas das outras como se soubessem o que é melhor para o país.

E aqui começa uma bela história.

Falarei sobre televisão. Um certo grupo de pessoas bonitas e bem vestidas surge todos os dias dentro de nossas casas falando sobre o mundo e mostrando histórias fictícias.

Como elas são simpáticas e bem vestidas, a tendência é os aceitarmos de bom grado. Oferecemo-lhes espaço à mesa de jantar, reservamos tempo que de outra forma dedicaríamos a nossos filhos ou aos estudos, damos espaços de nossas vidas íntimas, os convidamos para nos acompanharem à cama para dormir ou para nos fazerem compania após o sexo.

É óbvio que essas pessoas podem muito bem decidir sobre o que vão falar e como vão falar. E as daremos crédito. Afinal, elas contam a mesma história em todas as casas, e são tão agradáveis ao falar.

Assim, essas pessoas nos ensinam valores, nos sugerem o que comprar, nos dizem como é melhor tratar o filho, e, acima de tudo, nos ensinam como lidar com nossos problemas.

Quando falo em televisão, muitos lembram de certa emissora em específico. Apenas para ter um nome com o qual lidar, chama-la-ei "Rede Bola de Televisão". Ela tem o compromisso público firmado de mostrar o mundo com imparcialidade, nos mostrar que é possível construir um mundo melhor... enfim, muito bem intencionados e voltados para um público livre.

Alguém percebeu que a coisa não é bem assim. Eles fingem dizer as coisas sem manifestar uma opinião, mas eles a implicitam. As pessoas engolem isso com farinha e, assim, aceitam como certo ou errado aquilo que é dito. Aceitam, por exemplo, que manifesto de rua é baderna. Quem queima carro está errado, então a Inglaterra estava certa em conter a baderna de rua, e aquelas pessoas são provavelmente vagabundos arruaceiros sem nada melhor pra fazer. "Jovens voltando das férias", como ouvi certa repórter perguntar.

Como várias pessoas perceberam a manipulação constante, decidiram se revoltar. Combinaram sua própria Festa da Bola do Facebook, o dia de jogar a Bola no mar. Passaram um dia sem assistir nada de sua programação.

No dia seguinte, todos estavam na praia recolhendo suas parcelas do chá. A lição já estava passada, podemos voltar a assistir a Rede Bola.

O fiasco é bastante simples: se eu assisto à Rede Bola todos os dias e interrompo essa frequência por um único dia, eu mostro... que consigo passar um dia sem Rede Bola. Um dia antes e um dia depois, eu precisava saber o que acontecia na novela. Eu precisava ver o jornal deles.

Para você que passou um dia sem Rede Bola, parabéns. Minha vez de dizer "grandes bosta". Como forma de protesto, você cagou na sala e, depois, estava abanando o rabo para seu dono e aguardando o afago de costume.

Se você não quer ser obrigado a comprar o chá da Inglaterra, você deixa de comprar o chá da Inglaterra. Se você não quer ser manipulado pela Rede Bola, você troca de canal. Ou faça melhor, desligue a TV. Seja como for, não pense que é um revolucionário: você não está fazendo nada grande, só está deixando de fazer algo idiota.