quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Concerto cotidiano: rock das ruas curitibanas

Algumas pessoas dizem que certas músicas lembram certos momentos da vida. Talvez o fato da música ter sido ouvida repetidamente em algum momento específico faça com que a pessoa retome aquele momento maravilhoso com suas sensações, como o êxtase do primeiro beijo para os românticos que ouvem a música do casal, a fossa do fim de namoro para os deprimidos e bipolares que ouvem música de corno ou a emoção do começo de um "novo" episódio do Dragon Ball para os piás de prédio que ouvem aquela porcaria de música de entrada. Os artistas vão além e sugerem que momentos sugerem músicas e trazem a inspiração necessária à composição.

Não sou um artista. Talvez dos três grupos citados há pouco, posso me considerar como membro de todos. Apesar disso, há momentos que me sugerem músicas. Não as músicas inteiras, mas pelo menos os títulos.

E foi esse sábado um daqueles dias de inspiração. Vários momentos renderiam músicas incríveis baseadas no teatro cotidiano, e vários estilos diferentes podem ser destacados ali no meio. Nomes em inglês, apenas porque em português eles perdem a cara de nome de música (afinal, estamos habituados a ver nomes horríveis de música em inglês apenas).

O concerto poderia começar com o estilo punk. A música "Keep your flags up" traria o tempero patriota para falar sobre as pessoas balançando bandeiras com dizeres "Vote XX, Fulano de Tal" pelas ruas, num som que dá vontade de dar pulinhos e que, curiosamente, não te dá vontade de votar em ninguém. Músicas mais pesadas poderiam seguir, como a "I don't like you", uma música mais pesada e de ritmo mais rápido, com ênfase na bateria (Que curiosamente lembra um concerto de latas de lixo viradas de ponta cabeça sendo tocadas por trolls equipados com troncos de árvores) e falaria sobre uma temática mais curitibana, como o agradável hábito das pessoas não te responderem quando você dá bom dia.

Com o estilo aos poucos abandona o punk e parte para um instrumental gradativamente mais pesado, aos poucos nos aventuramos no ambiente do thrash metal e passamos a sacudir nossas cabeças enquanto uma pessoa nos insulta no palco. "Bruised" daria início a uma reflexão sobre a inabilidade de certos motoristas a estacionar nas vagas a eles disponíveis. "Stay away from me" retrata os desejos desesperados daqueles que são abordados por religiosos na rua e não estão interessados no algodão sagrado benzido no óleo de jerusalém (que por algum motivo não explicado te trará dinheiro e é de graça - afinal eles não estão interessados no seu dinheiro).

O concerto quebra o clima para partir ao power metal melódico. É necessário quebrar o clima ao invés de partir aos poucos na direção do estilo, uma vez que power metal melódico não combina com porra nenhuma. Mas as temáticas medievais comuns a esse estilo muito lembram o convívio das grandes cidades. "Living by the blade" falaria sobre a luta cotidiana do trombadinha que, cansado do discurso de que "poderia tá robanu, poderia tá matanu, mas tá pedinu", decidiu por assumir uma atitude decidida e honrosamente batalhar por seu sustento. Batalhar no sentido literal, afirmando que está "robanu e é melhor cê dá a grana ou ele vai tá te matanu", então ele corre em perseguições em meio à cidade fugindo da próxima música: "Knights of Justice" que fala da polícia muito interessada em resolver os problemas da população humilde.

E o concerto, para voltar a ter alguma música, quebra novamente o clima abandonando o power metal. Por conveniência, termina com músicas de prog metal. "Curitiban Skies" iniciaria falando sobre o belo céu que banha os curitibanos com seu nobre tom cinzento, alimentando os desejos europeus desses cidadãos de bem de permanecerem em suas casas sem falar com ninguém. "Dilma in the rain" falaria sobre o cartaz político abandonado à chuva. Para finalizar o concerto, "No Yellows on Horizon", uma música de 25 minutos que trata em tempo real dos pensamentos turbulentos da pobre mente abandonada ao relento da espera do ônibus Vila Rex, com solos de guitarra escritos em partitura e viradas de bateria que estarão ali pra encher linguiça e manter o tempo longo e te lembrar o quanto esses músicos são foda e o quanto você não se parece com eles.

Após o concerto, o curitibano continua olhando para um ponto fixo para não precisar encara ninguém à sua volta.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Campus Jardim Botânico

Já foi mencionada nesse mesmo blog a tendência natural dos feitos animais (e consequentemente os humanos) a convergirem no sexo. A reprodução é um dos pré requisitos fundamentais para que uma espécie sobreviva à seleção natural, reprodução sexuada resulta em muitas combinações genéticas que favorecem a evolução, etc, esses seriam vários pontos que poderiam ser ressaltados a respeito de tal atitude que certamente favoreceu a permanência de alguns animais pouco lógicos (como os humanos).

Mas ainda falando sobre o curioso animal "humano", talvez uma observação bastante interessante a se fazer no que diz respeito a hábitos sexuais é o comportamento dessas criaturas em situações extremas de abstinência sexual.

Apesar da tendência a se trazer à tona certos hábitos sociais de alguns indivíduos em evidenciar a desconhecidos seus intuitos ou observações sexuais ("vem cá, gostosa!" entre outros), o que vale ser ressaltado nesse conto em particular são as consequências de tal situação no humor e nos anseios cruéis de alguns.

Talvez tenha sido por iniciativa procedente de um anseio cruel, por sua vez procedente do gosto por violar hábitos de sono alheios, que se convocou através de um aviso um grupo de alunos (entre eles Flubber®) a uma reunião em uma manhã de sábado. Seja qual for a origem desse impulso, a pessoa que marca uma reunião em uma manhã de sábado não faz sexo. Pelo menos não com a frequência que deseja. Especialmente com os convocados a acordar cedo no sábado.

E lá estavam todos sentados em bancos de acentos confortavelmente inclinados na direção errada, se apoiando nas pernas para não escorregar ao chão (talvez uma técnica para manter as pessoas acordadas). Presentes estavam físicos, químicos, matemáticos, biólogos e humanos, todos nessa odisséia acadêmica assistindo a uma palestra à qual foram convidados a comparecer obrigatoriamente. Em um momento específico, alguns professores foram convidados a se dirigirem ao microfone para declarar alguns trabalhos de seus subprojetos, e foi nesse fatídico momento que se passou o inesperado.

Lá estava Flubber® assistindo às declarações de vários professores quando, por fim, decide levantar e tomar a palavra ao microfone. Os estudantes e professores dos demais cursos observavam sem muito interesse, afinal acreditavam ser um professor, mas os pobres alunos colegas de Física observavam atônitos ao avanço gradativo desse representante de sua classe, degrau a degrau, com destino à ruína da reputação de seu curso. Tomado o microfone, iniciou seu discurso. Dizia ele:

"O trabalho desse programa é realmente excelente e interessante por levar os estudantes a seu ambiente profissional e por incentivar a troca de conhecimentos entre o ambiente acadêmico e o ambiente escolar, e vai ficar melhor quando eu assumir como King size [1].  A primeira medida a ser tomada será a compra da Universidade Federal do Paraná e o investimento massivo nas bolsas do programa, que de quatrocentos reais passará a valer mil e duzentos reais." (nesse momento, professores se entreolhavam curiosos para entender o significado de tal petulância)

Assim que o discurso terminou, Flubber®, ovacionado por seus colegas de vários cursos, retomou seu lugar e um grupo de mafiosos chineses derrubou a porta para entrar. Muito tiros e pessoas mortas depois, Flubber®, após quebrar o braço de um deles e amarrar outro com uma alça de mochila a uma cadeira para que se segurasse com as pernas para não escorregar ao chão, correu à saída ouvindo tiros atrás de si e rolando para conseguir cobertura.

Esse é um daqueles momentos em que o leitor pergunta "Sério?" e eu respondo "Não". O fato é que Flubber® estava com sono demais para aquele momento fazer sentido e sua imaginação é a grande culpada por ter passado algum tempo rindo sozinho na cadeira enquanto professores falavam ao microfone. Se alguém deve ser culpado, esse é o sujeito que declarou o recebimento por sua família de um brasão King size por parte da corte portuguesa. E se ele quiser se manifestar a respeito do texto, encare como homenagem de alguém que apreciou os quase dois minutos de vídeo.

Referências
[1] Lima, Alexandre dos S. e Azarada, Repórter, King size - Entrevista sobre as Barcas no Rio de Janeiro, Youtube, 2009.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Recordações

Curiosa é a forma como os momentos ociosos terminam. O "Dicionário Informal" define "ócio" como "Tempo livre, vago / O não fazer nada / Preguiça / Vadiagem" (nesses mesmos termos, fonte e cores, o que talvez me sugira que eu deveria largar de preguiça e buscar por um dicionário em minha prateleira ao invés de pesquisar na rede mundial). Talvez boa parte dos sinônimos ali sugeridos não sejam condizentes com a condição do momento que desejo relatar, mas o fato é que o ônibus é um lugar propenso ao "não fazer nada". Curiosos são os momentos ociosos: poucos momentos são tão pouco produtivos e tão produtivos ao mesmo tempo. Sugeriu certa feita um professor doutor (doutor, doutor e doutor, pra ser mais preciso) de minha estimada universidade que uma instituição superior de ensino que promova pesquisa deveria prever um período no horário de seus docentes reservado exclusivamente para a reflexão, um forte indicativo de que aquilo que o dito dicionário da rede chamou de "vadiagem" é reconhecido por profissionais doutores (ou pelo menos um) como um período importante no processo de se trabalhar com o cérebro. O ócio é o momento em que o introspectivo está bem acompanhado, o louco fica mais louco, o hiperativo explode, Newton recebe maçãs na cabeça, Schrödinger ensaia requintes de crueldade com gatos e Capra enxerga átomos em estados caóticos sendo bombardeados por raios cósmicos e, de alguma forma, relembrando a dança de Shiva. Mas em geral, a maioria prefere apenas vadiar.

O ócio pode fazer tanto com que você surja com a idéia genial que te torne rico quanto te lançar fora do emprego e te deixar morando em baixo da ponte. Seja como for, o ócio é o momento da maior produção mental que o humano conhece. E foi em um momento de ócio como qualquer outro que fui levado a refletir (culpem o ócio por todos os meus textos nesse espaço). Não questiono a possibilidade do fato de eu estar dentro do Interbairros II no momento de tal reflexão ter influenciado de alguma forma as letras que logo vêm, mas qualquer momento de ócio pode produzir desde o mais sensato ao mais absurdo. Não, eu não estava chapado, antes que alguém se pergunte, estava apenas relembrando minha infância.

Ao ler tais palavras, os corações de certos leitores se recheiam do temor semelhante ao de uma pessoa que acaba de ver um acidente ocorrer diante de seus olhos. Porém, como em todo acidente, a maioria apenas está curiosa para ver os mortos e aglomera em torno da desgraça alheia até que venha alguém puxar o cordão de isolamento, então acredito que poucos pararão de ler ao saber que conhecerão algo de tão importante fase de meu desenvolvimento.

A minha infância foi quase a de um físico típico (daqueles que tiveram infância, que fique claro). Aos dois anos eu tinha meu video game, aos 5 destruí um carrinho de controle remoto para ver como funcionava, aos 10 fui proibido de tocar na máquina de lavar, aos 12 tive meu primeiro beijo, aos 16 o segundo, aos 17 entrei pro curso de Física, e aos 18 me arrependi disso. Nesses entre-meios, alguns fatos marcam a vida do potencial cientista. Retornei eu, naquele momento de ócio-reflexivo-recordativo-não-chapado-no-interbairros-II, a um período muito peculiar de minha formação básica: a sexta série do Ensino Fundamental (no sistema antigo de 8 séries anuais de ensino fundamental e três anos de ensino médio).

Recordo com algum saudosismo esse período ímpar. Nesse tempo eu ainda acreditava que tinha algum talento para o futebol. Eu era um dos nerds do colégio. Ao contrário da recente onda "nerd" que assaltou os ambientes adolescentes devido à propagação de certas propagandas geeks na rede, eu nunca fui nerd por opção. Ninguém me disse que video game era mais legal que andar de bicicleta, eu apenas aceitava isso com muita alegria. Ninguém me disse que perder o final de semana estudando linguagem C era mais divertido que passar uma tarde de sábado em um shopping repleto de seres humanos, eu apenas me aliviava em saber que eu poderia fingir que era para a faculdade. E no colégio a situação não era muito diferente: meus gostos sempre divergiram da maioria em uma série de aspectos. Apesar das diferenças gritantes, uma criança de sexta série ainda é uma criança de sexta série: eu gostava de fazer coisas idiotas, e a que conto a seguir foi uma delas.

Meu então professor de Geografia era admitido por um recente concurso para professores do estado. Aquele era seu primeiro ano lecionando na instituição, e já foi ele capaz de galgar alguns títulos entre os alunos: O primeiro, pelo impacto, como professor menos simpático; o segundo como professor gay. Antes que o movimento homossexual dirija algum processo em minha direção, gostaria que ficasse claro que não estou aqui ofendendo ninguém. Se em minha sexta série isso foi engraçado, gostaria de lembrar a todos que as leis que se levantam contra a homofobia ainda não vigoravam (aiai, eu to ficando velho) e que eu tinha 12 anos. O fato é que eu achava graça na dicção peculiar do professor, e não era o único.

Devido a uma longa sequência de demonstrações do merecimento de seu primeiro título, o professor de Geografia gerou uma série de piadas, referentes ou não ao segundo. Culminou que, naquela fatídica manhã, o professor passou como tarefa para a sala a resposta do questionário de certa página do livro didático. Não recordo a página, o dia da semana, que roupa eu usava, recordo sim o colega e amigo Polak sentado à minha direita dando risada enquanto eu escrevia minha resposta à questão de número um: "Explique o que provocou a queda da URSS". Como exímio ignorante dos fatores geopolíticos ensinados em sala e como bom preguiçoso, não me interessei em descobrir o que provocou tal evento histórico, nem mesmo o que era a tal URSS, então não perdi meu tempo caçando a resposta pelo livro e iniciei um momento de escrita daquilo que os alunos do ensino fundamental de meu tempo chamavam de "pura sacanagem". Não lembro se o dia fazia sol ou chuva, mas lembro a primeira frase de minha resposta, que teoricamente deveria constar apenas em meu caderno: "O imperador gay, (nome do professor), fez um manifesto para defender seus direitos homossexuais." Após várias linhas da mais pura diversão infantil (e de Polak estar controlando suas risadas), calhou que o professor passou olhando a resposta do colega, que estava em cima da mesa. Aquelas espiadas apenas para ver o quanto o aluno já escreveu. Só por curiosidade (interferência de Murphy), a minha resposta ele quis ler. Tomou-me a folha à mão e, com seus óculos na ponta do nariz, lia com um ar ríspido. Talvez não fosse assim tão ríspido, mas o prenúncio que aquela leitura me trazia não era agradável. Polak, como os bons amigos fazem nesses momentos, baixou sua cabeça e começou a rir histericamente. Ao notarem minhas transformações cromáticas ao período de silenciosa leitura do professor, a sala aos poucos foi também silenciando e o assistindo sem saber por que eu estava mudando de cor ou por que Polak não conseguia parar de rir.

Dez minutos depois, no recreio, os alunos não queria procurar os populares, as meninas bonitas, as bolas de futebol ou o lanche. Queriam, sim, saber da parte do nerd o que afinal trazia aquela folha em seu texto que provocou tão eufórica reação do profissional de educação que, sem explicar ao resto da turma o porquê, após a pergunta clichê "qual é o significado disso?", passou a proferir a quem quisesse ouvir algumas das implicações que poderiam proceder de minha atitude ao escrever isso de uma pessoa (implicações que passaram pelas "ocorrências", os documentos preferidos dos professores antipáticos, as "expulsões", os "processos", as "indenizações", as "prisões", o "mármore do inferno" e, de alguma forma curiosa, a "Pipoteca de vinte centavos da cantina" - não que ele falasse sobre isso no momento, mas eu estava com fome e faltava pouco para o recreio), em um tom que faz jus ao primeiro título.

No final das contas, talvez pelo professor ter um coração que não faz jus ao mesmo primeiro título, não precisei indenizar, ir preso, responder a processo, levar uma ocorrência pra casa, sair do colégio ou arder no dito mármore (apesar de ter comido da Pipoteca), apenas carreguei a bronca comigo como uma lição. Com o tempo a gente acaba percebendo que o professor não é necessariamente antipático, apenas não tinha ainda experiência para conquistar a turma e tendia a ser mais ríspido que o necessário para se fazer respeitar, o que, acredito, mudou com o tempo e com os anos seguintes. Mas a lição que aprendi foi valiosa: quando queremos falar de alguém pelas costas, devemos nos certificar de que o indivíduo esteja, de fato, de costas e a uma distância segura, e que a via por onde se dirige o insulto não seja de acesso comum entre você e a pessoa.

Sei também que caso o saudoso professor encontre esse espaço e o texto saberá que o texto fala sobre ele (e saberá quem é Flubber®), mas sabe que essas linhas não refletem ressentimentos nem dirigem insultos à sua pessoa ou trabalho.

Diferente do conflito intercultural narrado tempos atrás, essa história é verídica, mas sempre corro o risco de você, leitor, não acreditar. Caso você não acredite, não há problemas, uma vez que estamos ambos no ócio e você com certeza só leu até aqui para rir da desgraça alheia.

Terminada a reflexão e o saudosismo, volto ao mundo real e solicito ao ônibus a parada a tempo de descer no ponto correto.

domingo, 20 de junho de 2010

Correios... curiosos correios...

A dádiva da comunicação não é um privilégio humano. Já foi mencionado nesse mesmo blog o quão eficazes são os animais em demonstrar certas informações (como "estou com fome", "estou feliz", "você pisou no meu rabo, cacete", etc), e se me engano e não foi mencionado... sinto muito, não acho que cabe falar muito a esse respeito.

Apesar disso, os animais humanos se eximiram historicamente em desenvolver sua comunicação a níveis onde a eficácia não pode mais ser discutida. Desenvolveram uma linguagem falada, transformaram em escrita, criaram registros, inventaram formas de correio de informações, entre muitas outras aquisições respeitáveis. Com o passar dos tempos, deixou de ser um conforto e passou a ser uma necessidade, um aguardo ansioso. Uma demonstração da importância dada a certas informações foi a corrida de Pheidippides para anunciar a vitória na batalha de Marathona (logo após a corrida para pedir reforços a esparta), que terminou em sua morte por exaustão. Dito pelo não dito, a tragédia alheia inspirou as atuais maratonas, onde se colocam vários animais humanos a correr um trajeto sem algum objetivo aparente além de chegar antes do outro ao fim do percurso predeterminado, e sem mortes, o que tira metade da diversão. A veracidade da história pode ser questionada, os estudantes de História podem querer me lançar pedras pela história mal contada, o fato é que de lá pra cá a comunicação e seus meios sofreram certas distorções irreversíveis. Disserto a respeito.

O rádio pode ser um exemplo clássico. Quando no século XIX foi desenvolvido o primeiro sistema de transmissão de informações por ondas de rádio (dizem algumas más línguas que a invenção não é de fato de Tesla, mas foi a ele atribuída pois usava duas dezenas de patentes suas), não se tinha em mente alguns avanços que ocorreriam dali em diante. Da rádio transmissão à rádio comunicação utilizada em guerra, à rádio transmissão utilizada nas grandes cidades como mídia de alcance massivo e à sua avó sentada na cadeira de balanço ouvindo música sertaneja houveram alguns saltos tanto em conceitos tecnológicos quanto em conceitos comerciais. Seja como for, o inventor jamais imaginou sua criação transmitindo o Rebolation, o que poderia atribuir-lhe um fardo semelhante ao de Santos Dumont ao saber que sua invenção (questione a autoria quem quiser) fora usada como máquina de guerra, ou ao de Oppenheimer por presidir o projeto Manhattan e a criação da bomba atômica dos Estados Unidos (ele se arrependeu, pobre diabo, suas intenções certamente eram as melhores ao criar uma arma de destruição me massa de fissão nuclear).

Por fim, não pretendo me alongar a ponto de falar sobre o correio eletrônico e sobre os pseudo cartões virulentos de natal (em abril), sobre a televisão como maior meio de propaganda e entretenimento, a internet como maior meio de divulgação pornô, ou ao fato de estar o país sentado em frente a televisores assistindo outro evento mundial de grande importância (animais humanos com roupas coloridas correndo atrás de uma esfera de material dúbio e cheia de ar para lançá-la a uma rede) e Flubber® estar sentado em frente a um computador. Desejo me reter em um meio bastante rudimentar de comunicação, embora ainda muito útil: o correio.

O princípio do correio, creio, é bastante simples, embora sua organização não o seja: algum objeto precisa abandonar seu local de origem e atingir certo destinatário distante. O objeto pode variar de uma carta a um pacote com bactérias infecciosas, o fato é que virtualmente tudo que se deseja transferir de uma região a outra pode ser deslocado na medida do bom senso. E o bom senso de alguém me atingiu em cheio no meio do escalpo.

Certa feita, empresas de cartão de crédito concluíram que seria uma boa estratégia de marketing enviar cartões prontos e cadastrados por correio. Simples assim: seu cadastro é feito e dias depois você fica sabendo! Incrível, não? Com o passar de alguns anos, um certo serviço de defesa dos direitos dos consumidores (um órgão ainda tímido e em ascenção) concluiu que não era interessante ao consumidor ter seu cadastro efetuado sem sua permissão prévia, enquanto as mesmas empresas argumentavam dizendo que bastava o consumidor insatisfeito cancelar seu cadastro e não pagaria os boletos que não solicitou (um processo bastante simples que envolve uma ligação, uma meia hora de espera e uma taxa simbólica - afinal você está cancelando um serviço, antes não o tivesse assinado... opa, peraê... você não assinou?). O arremate do assunto foi que a prática foi por fim considerada ilegal, e as empresas passaram a ser obrigadas a solicitar a permissão das pessoas para fazer seus cadastros (maldade). Terminado esse assunto, apelaram para táticas de marketing mais tradicionais: fazer a proposta e tenta agradar o consumidor de alguma forma (que pode ser uma proposta a preços mais baixos ou até mesmo a omissão dos detalhes do contrato - afinal, o que os olhos não vêem, o coração não sente). Então elas passaram a pedir o telefone de seus potenciais consumidores às empresas de telefonia, e passou a ligar, tratando-os educadamente pelo nome e oferecendo serviços mal explicados.

Por fim, alguém concluiu que essa prática violava a privacidade das pessoas, que poderiam não se agradar de ter seu telefone divulgado a empresas que nada têm com elas. A partir daí, se a empresa deseja conquistar algum consumidor via telefone, precisa chutar números e fazer suas propostas a quem atende.

Por fim, toda essa coisa de telefone se relaciona no correio no ponto em que chegam à minha casa duas cartas endereçadas à minha pessoa. Não, eu não tenho um cadastro com a American Express, e muito menos com o Padre Hamilton José Naville, o fato é que eles me encaminharam, respectivamente, uma proposta de cadastro de cartão de crédito e uma medalha milagrosa. A proposta de cartão de crédito traz a oferta imperdível que, se você o utilizar a cada três meses, não paga a taxa de inatividade de trinta reais, além de alguns números de telefones e uma certa taxa de juros. O envelope da medalha milagrosa, por sua vez, traz um panfleto que diz "Medalha Milagrosa - um presente vindo do céu" (o que me sugere que recebi um fragmento de meteorito), além de uma carta com alguns dizeres sobre a importância da medalha, a vontade de deus na minha vida, uma assinatura digitalizada e uma lista de opções para resposta (que, resumidamente, em outras palavras, dizem "gostei de receber a medalha", "gostei muito de receber a medalha" e "gostei tanto de receber a medalha que vou te mandar dinheiro"). Desdobrando a carta, descubro um boleto bancário sem valor definido (basta enfrentar uma fila de banco e você pode fazer uma doação para agradecer pela medalha milagrosa).

Não quero recair no ponto das propostas e sugestões das cartas supracitadas (e ressalte-se aqui que "resumidamente", "ascenção", "cadastros", "avanços", entre outros, são sublinhados em vermelho pelo navegador como palavras desconhecidas e "Possíveis equívocos de linguagem", ao passo que "supracitada" é um verbete de uso bastante comum sendo, assim, uma palavra conhecida). Quero sim recair nas táticas de marketing utilizadas por essas pessoas (jurídica e, espero, física, respectivamente). Consulta-se um banco de dados e se recebe um nome completo associado a um endereço completo, então se faz uma proposta pessoal, educada e dirigida ao nome da pessoa, afinal, veja bem, não se pode passar o telefone das pessoas às empresas pois isso caracteriza uma quebra de privacidade. Por fim, concluo que, de acordo com certas lógicas, "tudo bem o sujeito saber onde eu moro, desde que não me ligue".

Tenho por convicções religiosas que não gosto de religião, não uso cartão de crédito e que adoro queijo. Tenho também por ideal que não dou meus dados a ninguém com quem não tenho negócios, pois valorizo meu espaço e minha privacidade. No final das contas, as correspondências que recebi ontem agridem duas de minhas três convicções religiosas e sugerem que em algum momento violei meu ideal. Caso a última afirmação seja falsa, alguém me fez o favor de violar meu ideal por mim, e ideal é como o ânus: cada um tem o seu, e a maioria não o quer violado.

Fecho esse conto das peripécias comunicativas humanas por aqui, sem conclusão mesmo, como de péssimo costume meu, apenas para sugerir a mensagem a quem a captou. De resto, espero que o jogo termine logo, pois meu gosto por fogos de artifício se limita aos de bela estética, e não aos de barulho interminável.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Dos pontos de ônibus da vida

Dentre os muitos diálogos de que participamos ao longo de nossos dias, existe sempre algum ou alguns que nos marcam de alguma forma, seja para o bem ou para o mal. Em geral, afirmações como “hoje chove” pode ter um peso pequeno quando você está no elevador e pode ser marcante quando você está longe de casa sem o guarda chuva (pobres curitibanos), mas frases como “O Michael Jackson morreu”, “O Coxa ganhou” ou “hoje não tem aula” sempre arrancam alguma exclamação impressionada, ora por pavor ora por alegria incontida. Reconhecendo a dificuldade em se determinar quais frases possuem tal efeito, ignorando a natureza positiva ou negativa do impacto causado, proponho-me a definir aqui algumas regras que, julgo, funcionam em qualquer situação, embora não sejam únicas e invictas.

Apesar de não se poder definir o que causa impressões fortes nas pessoas, já que cada um valoriza fatores diferentes a diferentes pesos, talvez seja conveniente definir alguns inícios ou finais de frase interessantes, que, em geral, chamam a atenção do interlocutor, já que as frases que exigem essas premissas e conclusões costumam ser de peso relevante à maioria.

É comum se exigir a atenção das pessoas à sua fala com a expressão “veja bem”. Utilizar esse termo no início de uma resposta, por exemplo, faz com que você pareça entender algo do que está dizendo (apesar de provavelmente não entender) e compra tempo para pensar em uma resposta, criando alguma expectativa. Apesar disso, os finais costumam ser catastróficos, uma vez que se nota por fim que você, de fato, não sabe o que diz. Começar uma réplica com “não é tão simples assim” costuma ser eficaz em se tratando de um debate quando você tem a absoluta certeza de que, e quer deixar claro que, seu interlocutor está se esmerando em não fazer sentido, e também funciona quando você não sabe o que dizer depois mas só quer invalidar a afirmativa alheia. Expressões similares a “Mas se você parar para pensar” adicionam, por sua vez, um ar reflexivo e divagador a qualquer porcaria que se diga em seguida. Para se conseguir a atenção exclusiva de uma mulher, “você viu que” produz resultados surpreendentes.

Frases terminadas com a indagação “entende?” costumam exigir um aval. Não se está meramente concluindo uma idéia, mas se exigindo da parte atingida pelo diálogo uma opinião de cunho didático: você está a dizer algo complicado e quer se certificar de que o interlocutor esteja a par da informação completa. A resposta natural é “sim”, já que poucos assumem que não entenderam absolutamente nada e, também, não estão interessados em ouvir tudo novamente. A versão agressiva é “estou sendo claro?”, mas esta deve ser utilizada com cuidado. Existem casos, porém, em que a didática não é o único fator posto em questão, mas a opinião alheia. Nesses casos, “concorda?” é simples e direto. É eficaz, já que, à semelhança de “entende?”, exige apenas “sim” ou “não”, implicita que você continuará falando independente da concordância ou não do interlocutor e arranca um “sim” da maior parte das pessoas, já que em geral ninguém está interessado em ouvir seus argumentos. O aposto mais eficaz em chamar atenções, apesar disso, é menos elaborado, mais universal e não exige respostas. Qualquer frase terminada com “porra” atinge diretamente a alma das pessoas, sem pausas no enganoso ouvido: esse fim de frase garante que frases triviais ganhem peso e agressividade de afirmações inflamadas e argumentos acalourados. “Você viu o Marcos, porra?”, “Hoje é terça, porra”, “O Coxa ganhou, porra” e “Me faz um sanduíche, porra” são excelentes exemplos.

Porém, minha intenção aqui não é me deter no impacto gerado em conversas corriqueiras, e sim dar atenção a alguns momentos a que alguns cientistas não estão acostumados. Aspirantes a físico, assim como eu, entendem o impacto gerado por perguntas iniciadas com “você que faz física”. Esses são os momentos em que o físico faz sinal para o ônibus errado, lembra de compromissos importantes e inadiáveis ou arranja qualquer forma de fugir do assunto, como “a mãe vai bem?”, “será que chove?”, “Cê ouviu a história da gripe” ou “Orra, velho, cê viu o jogo do Coxa?”. Apesar das admiráveis técnicas desenvolvidas por alguns para esquivar de certas perguntas sobre física, o final costuma ser o mesmo: a pergunta é feita, o desastre é exposto e o físico fica tentado a simular um ataque cardíaco. Antes que se pense que o físico é um ser anti social ou antipático (maldade dizer isso), vamos voltar ao começo da história.

Tudo se inicia no papel, esse que tudo aceita. Tudo mesmo. Se eu tentasse agora fazer por escrito afirmações de baixo calão sobre a vida sexual da senhora sua mãe, por exemplo, o papel seria o último a me questionar. E assim começa o drama. Assim como o papel aceita tudo, o leitor muitas vezes engole tudo, principalmente quando não entende nada. Imagine o seguinte exemplo, temperado com o sabor do absurdo para salientar a triste realidade:

Alguém afirma que o uso de Hidrogênio como combustível nada mais é que transferir o problema da geração de energia para as usinas elétricas. “Seu carro não gera poluentes, mas a usina a carvão que alimentou a eletrólise dele emite, e pra cacete”. Então alguém, possuído da grande revelação, decide unir essa informação ao fato de que o Sol é uma grande usina descontrolada de fusão de hidrogênio, e interpreta que esse é o combustível dele (começa muito bem, pois afirma que há combustão no Sol). E se o combustível dele acabar? Então se escreve que manter o Sol queimando nada mais é que transferir o problema de sua geração de energia para às usinas elétricas. Quem sabe não convém que ao invés de hidrogênio o Sol não utilize outra fonte de energia... como a solar, por exemplo? Se isso é escrito em uma revista de fofoca científica (como aquela que é interessante pra caramba ou a que tem nome de filósofo da idade média) com os termos técnicos adequados (um “foi descoberto”, alguns “alarmante”s e um “agora sabemos que”), um monte de figuras bonitas, várias páginas de falatório desconexo, palavras difíceis (alguns termos comuns à física teórica), alguns gráficos pizza ou, ainda mais eficaz, gráficos tridimensionais e algumas figurinhas de átomos, o efeito final é um leitor tão confuso que, impressionado com o texto (e com o fato de não ter entendido absolutamente nada), afirma com um sorriso esclarecido “Hummmmmmm, é assim que funciona então”.

Assim começa a saga da informação científica mal repassada. A palavra é escrita, impressa impiedosamente no papel, que de nada tem culpa, e levada à mão do seu vizinho que, um dia, resolve, no ponto de ônibus, pôr seus conhecimentos à prova com o novo conhecimento de física avançada correlacionada a questões ambientais. E o físico entra num impasse.

O físico inexperiente tem esperanças de solucionar o engano e trazer o pobre leigo à luz. “Veja bem, isso aí não faz sentido, pois” e em seguida, após breves palavras, nota que seu vizinho, além de não ter entendido nada, conclui decepcionado que você está desatualizado das grandes descobertas. O físico mais experimentado no tortuoso caminho das conversas de ponto de ônibus sabe que, nessa hora, a resposta que encerra qualquer discussão é “pois é, interessante, né?”. O problema é que, em geral, seu vizinho não se contenta com isso. Ele quer explicações. Ele tem certeza que em uma conversa informal com um físico de verdade, tudo que ele precisa saber será esclarecido, pois só o que lhe falta é entender as palavras difíceis. Aqui, então, cabe entender o que faz as frases do representante dos físicos precisam conter para impactar seu interlocutor.

Ao contrário da conversa coloquial, aqui você está assumindo a posição do especialista no assunto. Termos como “veja bem” são excelentes e, mesmo que você não saiba o que diz, impressionarão. Porém, iniciar a fala com “não é tão simples assim” é coroar de antemão a fala com os louros da vitória. Note-se também que não estou falando de dizer algo certo ao seu vizinho, e sim de deixar seu vizinho satisfeito com uma resposta e seu orgulho em pé como cientista em formação, e tudo isso antes do ônibus chegar.

Lembre-se de utilizar alguns termos matemáticos misturados à explicação física. Termos geométricos como “cúbico”, “quadridimensional”, “geodésica”, “braquistócrona” ou “enantiomorfismo” seguidos de uma explicação breve o suficiente para não ser clara enriquecem a explicação. Adaptar certos jargões também surte bom efeito: o “É fácil ver que” pode se tornar “assim, fica bem simples notar que”, passando a impressão de que você está se esforçando para trazer seu vocabulário ao coloquial e tornar a explicação acessível. Por fim, para concluir o diálogo, um “enfim, é complicado” te faz parecer simpático com a confusão gerada em seu pobre vizinho. Citar o surgimento de algum termo obscuro na equação de Schrödinger pode parecer clichê, mas garanto bons resultados também. Mas ainda assim, não economize: quanto menos ele entender, melhor será a explicação. Mas se você está lidando com alguém mais esclarecido, por favor, explique que ele anda lendo muita porcaria. Seja como for, não use o termo “porra” aqui.

Eu digo tudo isso com esperança de ajudar, mas desejar com força que o ônibus chege antes da pergunta ser concluída não é um crime. Se você der sorte, ele já está chegando. Nesses casos, levantar a sobrancelha o máximo possível, fazer um olhar distante mordendo o lábio e dizer “hummmmm, é complicado” já é suficiente.

Em casos extremos em que o vizinho não entende pra que raios serve o seu curso, não se desespere. Apenas concorde com tudo e, caso indagado, diga “ainda não estudei isso”. Se te perguntarem “então você vai fazer a melancia quadrada?”, não diga “não, meu curso não faz isso”, pois isso sugere que você vá explicar em seguida o que seu curso de fato faz. Ao invés disso, experimente algo como “Um grupo de pesquisa japonês já está trabalhando nisso”. Para casos gerais, tenha em mente algum conhecimento básico de ergonomia e anatomia, assim você não precisa explicar nada estranho se seu vizinho vier com perguntas desse cunho acreditando que você faz educação física.

Caso tudo falhe, simule o ataque cardíaco.