sexta-feira, 27 de julho de 2012

As peripécias de um país laico

Todas as áreas de atuação dos animais humanos têm seus jargões. Em alguns momentos, os jargões são motivados por uma simplificação da linguagem, afinal, tratar a "Primeira lei da termodinâmica" é cognitivamente mais suscinto que a mencionar como a "Lei universal da conservação de energia para sistemas térmico/mecânico/químico/quântico/eletromagnéticos na forma clássica"; a primeira forma vai me dizer o que você quer dizer, enquanto a segunda forma me fará perguntar "Mas heim?".

Em certos ambiantes, não conhecer o jargão dificulta consideravelmente a comunicação. Mencionar a uma vendedora de uma loja de eletrônica que eu queria "Uma câmera que faça em torno de 60 quadros por segundo em formato digital" resultou em uma sobrancelha levantada e a impressão de que ela falava se dirigindo a um retardado mental. Após uma série de explicações, fui corrigido com a frase "Ah, o nome disso é 'frêimis'. Essa câmera resolve". Excluindo o fato de que ela provavelmente se referia à terminologia "Frames per second", que é inglês para "quadros por segundo", e o fato seguinte de que a câmera que ela me indicou era analógica (formato PAL, outro jargão que indica que a câmera resolve 25 quadros por segundo), concluí que se eu conhecesse o jargão da vendedora de câmeras da rua 24 de maio teria economizado em torno de dez minutos de conversa fútil.

Mas também existe o momento em que o jargão apenas serve para te caracterizar como especialista e não se fazer entender pelos leigos. Quando eu falo na anteriormente citada "primeira lei da termodinâmica" em determinados contextos, estou esclarecendo que sei do que falo. Se em um trabalho eu menciono que "utilizei um sensor CCD" estarei sendo mais elegante que aquele que diz "utilizei uma câmera digital com sensor CCD", embora ele tenha mencionado o "digital" e tenha sido mais preciso que eu em seu vocabulário.

Algo comumente confundido com os jargões são os "chavões". O chavão linguístico nada mais é que um vício, em alguns casos tão comum que pode ser tido por slogan. Alguns consideram que nosso falecido político Enéas Ferreira Carneiro, conhecido apenas por Enéas, ao declarar "Meu nome é Enéas", não estava meramente esclarecendo seu nome àqueles que pegaram a propaganda pela metade, mas usando um chavão que o destacasse na massa de candidatos. Em discussão prévia a respeito da comunicação enquanto especialista, mencionei um chavão comum à minha área, nada específico mas bastante eficaz quando não queremos responder uma pergunta: "Não é tão simples assim".

Assim como chavões se tornam slogans, slogans se tornam chavões, e para quem gosta de exemplos temos alguns slogans bonitos que não têm mais muito efeito por algumas pequenas distorções histórias e terminaram assim, como "Ordem e progresso", "democracia", "liberdade, igualdade e fraternidade" e "mas e os direitos humanos?".

Mas há um chavão em especial que tem chamado minha atenção nos últimos tempos, utilizado em contextos questionáveis: "cada um acredita no que quer". Em momentos fui levado a discordar, afinal eu não acredito no que quero e sim naquilo de que fui convencido. Eu não quero acreditar na relatividade e sua tendência desagradável de implicar que eu não posso viajar no tempo para o passado, mas fui convencido.

Mas no contexto onde essa frase é comumente utilizada, ela é precisa. Esse é o chavão mais comum para encerrar discussões religiosas que existe, e é o mais eficaz. Na dúvida, na falta de argumentos, quando os ânimos começam a se acalorar, apelamos para a liberdade religiosa, que poderia ser traduzida como "A constituição me garante liberdade religiosa", mas já tem o chavão "Cada um acredita no que quer", que é muito mais elegante que dizer "você vai para o inferno por pensar assim" e, posto sob o ponto de vista adequado, pode implicar em tratar uma opinião como "liberdade de expressão" e a outra como "ofensa". E é fato, o religioso acredita no que quer, afinal, escolher "um deus ou outro", "uma tradução ou outra" ou "um livro sagrado com verdades subjetivas interpretado da forma que convem ao contexto ou outro" não depende de convencimento, e sim de disposição cultural e desejo de acreditar.

Nossa constituição foi de fato escrita sob o pretexto de que, entre outros, cada indivíduo é livre para acreditar no que quiser. Você não será preso por acreditar em fadas, ovelhas que nascem em árvores, extra-terrestres que desenham círculos em plantações ou amigos imaginários que te amam e prezam por seu bem estar. Já que somos livres para essas coisas, podemos também ser livres para assumirmos publicamente nosso credo.

O efeito final disso foi um novo chavão: "O Brasil é um país laico". Aprendi isso no colégio, acredito que muitos colegas tenham ouvido esse termo em algum momento de suas vidas. Não busco uma definição formal para o jargão "laico", mas traduzo como aprendi: O governo e partições públicas de nosso país não têm religião oficial, e como tal não devem pregar oficialmente a favor de ou realizar em seus contextos oficiais qualquer ritual proveniente de qualquer religião. Isso garante que o evangélico não precise tolerar em seu ambiente de trabalho um ritual de umbanda, essa que eles tendem a considerar como fruto de obra de seu inimigo maligno. Se o cidadão quer um espaço para seu ritual, deve separá-lo para tal, independente do governo, afinal sua liberdade garante isso.

Acredito que esse chavão de país laico tem perdido um pouco do charme nos últimos tempos. Como todos sabem, há uma guerra ostensivamente declarada entre organizações religiosas e "o senhor desse mundo", o anteriormente citado inimigo maligno, responsável por muitas das mazelas do mundo, como as drogas, a maldade e o coração de pedra. Essas organizações guerreiras têm garantido pelo mesmo governo que declara laicidade algo chamado "imunidade tributária". Traduzindo em miúdos, instituições religiosas são livres de impostos. Algumas movimentam milhões de reais em dinheiro todos os meses (ou semanas, ou dias).

Há também uma certa "bancada cristã". Os mesmos guerreiros instruem seus membros, livres para opinião e para acreditarem no que querem, a direcionarem seus votos, definindo assim, por uma vantagem numérica considerável, diversos políticos que assumirão cargos oficiais. Afinal, o que há de errado em utlizar a liberdade de escolha para doutrinar pessoas a apoiar suas ambições? Assim, o país sem religião oficial toma decisões oficiais sob a óptica de uma religião.

Pois bem, cheguei à conclusão de que não vivemos em um país laico. Um país laico não aceita rituais religiosos para abrir seções de câmara. Um país laico não permite que uma instituição religiosa alcance influência política e riqueza sem pagar impostos. Tive um amigo que tinha uma cadela da raça "pastor alemão" chamada "Laica" (no caso, a palavra deriva de lobo), e tenho certeza de que ela não introduzia rituais religiosos na casa do rapaz; então, meu novo chavão é "Já vi cães mais laicos que esse país". Mantem o ambiente de bom humor e poupa os ouvidos do interlocutor de um outro chavão que luta para sair de minha boca: "Laico é tua bunda".


Todos têm uma religião no país laico, e "não ter uma religião" viola diretamente esse axioma fundamental para a manutenção coerente de um ambiente civilizado, então ateísmo é considerado religião em quase todos os contextos sociais, e como a maior ferramenta para propaganda do ateísmo é a ciência, posso deixar uma sugestão: imunidade tributária para o desenvolvimento científico e uma posterior "bancada acadêmica" na assembléia. Universidades privadas sem posicionamento religioso poderão se declarar atéias e serem consideradas instituições religiosas, e indústrias nacionais emergentes que realizam pesquisa também. Assim, ateus poderão ensinar e pesquisar suas coisas atéias, realizando seus "rituais" ateus em seus microscópios e câmaras de plasma com respaldo legal para não pagar impostos, e de quebra acontece algo útil, tipo desenvolvimento e progresso motivados pelo custo reduzido. O problema é que, no mercado de chavões, esses dois parecem ter mais a ver com exportação de grãos e a copa do mundo de 2014.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Golpes de sorte

O acaso inspira o imaginário humano há tanto tempo quanto existem humanos para imaginar. A necessidade de acreditar que o acaso segue regras rígidas previsíveis de alguma forma traz alento para alguns, um alento que torna a vida mais tolerável.

Há muito tempo já se buscava formas de prever o que o acaso reserva para as pessoas. Como o acaso é incontrolável, a lógica mais versátil que humanos podem aceitar é que algo com vontade própria o rege, então existem vontades e emoções envolvidas e, por que não, sinais para se comunicar com quem merecer ouvir.

Assim surgiram os oráculos e profetas, pessoas com o suposto dom especial de dizer o rumo das grandes guerras, as melhores decisões políticas e prever a estação seca. Atualmente, as variações incluem líderes religiosos barulhentos e ricos, redatores de jornal que copiam frases de um banco de dados e um polvo que gosta de futebol.

Os métodos variam. Há quem fale de transes, há quem diga que o vôo dos pássaros sinaliza o rumo que os deuses dão ao mundo, há quem diga que os testículos do bode sejam fontes de sabedoria e há quem diga que estados de alteração dos sentidos sejam momentos espiritualmente proveitosos para, entre outros, prever o acaso. Há quem diga que pedir a Deus pode mudar a forma do acaso e há até quem grite com ele em linguagens que não sabem o que dizem (o que não acho muito gentil em uma conversa civilizada com um ser superior, mas quem sou eu para julgar a crença alheia?).

Não vou questionar a veracidade dos supostos dons (algumas vezes sobrenaturais) que alguns dizem possuir e que alguns parecem confirmar. Apenas por uma questão de vocabulário, vou definir aqui que o que estou chamando "acaso" recebe de alguns desses grupos um nome especial: "sorte". Há a variação "vontade de Deus", mas ficarei com a primeira opção por simplicidade e por resumir minha fala.

A palavra "sorte", porém, padece de uma ambiguidade que muitas vezes dificulta a comunicação. "Sorte" para alguns indica algo que se tenha, alguma propriedade atribuída a certos seres, que tendem a ser abençoados com aquilo que julgam agradável com certa frequência por puro golpe do acaso. Seria então uma "pessoa sortuda" alguém a quem o acaso privilegeia constantemente com aquilo que há de melhor.

A Internet me tem feito acreditar que sou sortudo. Ao menos tem se esforçado um bocado. Já fui o visitante número 1.000.000 de vários sites, já tive muitas mulheres querendo se mostrar nuas para mim na webcam e, a última passagem que me marca, é um email comunicando uma premiação.

A carta de correio eletrônico não tinha uma mensagem, apenas uma imagem em anexo com a mensagem. Isso previne que certas cartas de tal importância se percam no filtro de spam, esse que não tolera as sutilezas da sorte. Ela dizia que ganhei 480.000,00 libras, um número com mais zeros entre o último significativo e a vírgula que a maioria dos que estou acostumado a lidar e que indica que estou rico ou gordo. Tendo a acreditar na primeira opção, pois após alguns breves cálculos de conversão concluí que 480.000 libras é um valor um pouco elevado para ser possível a um único humano engordar. Elevado o bastante para, caso eu o engorde, um canadense poderia tomar nota e ter a bondade de me avisar por email.

Fato, não citei que o email dizia ser de uma promoção canadense. E vinha ao final um endereço eletrônico de um fiduciário ao qual eu deveria responder a mensagem com um código de promoção. alguma coisa que terminava em "@bol.com.br". Parece de boa fé.

Como agora julgo estar rico e repleto de mulheres nuas interessadas em mim, acredito ser eu alguém muito bem quisto por aquele que após definições anteriores trato por "entediado supremo". Ele é legal às vezes. Agora preciso aguardar a resposta do email para saber como retirar meu prêmio.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Bola ao mar

Por algum motivo, andei pensando na chamada "Festa do Chá de Boston", ou Boston Tea Party para fazer jus ao nome original. Não me proponho a fazer um blog para falar de história, então vou resumir aquilo que me foi ensinado: colonos do território dos Estados Unidos não aceitavam ser obrigados a comprar o chá que a Inglaterra lhes determinava por lei, então, como foram impedidos de enviar o chá devolta a sua origem, decidiram por jogá-lo ao mar.

É um exemplo de ato "grandes bosta" para alguns, mas tem um significado simbólico fortíssimo: revela insatisfação e demonstra uma tendência forte para a independência. Diz "Se não posso ter o chá que quero, não terei chá", simples assim.

Protestos não são atos fáceis, muito menos simples. Declarar insatisfação e tomar uma atitude contra alguém que, do fundo do coração, não se importa com isso é uma atitude muitas vezes perigosa. Acha que não? Seu cachorro já aprendeu o custo dos protestos. O que seu cão faz quando está bravo com você? Nunca notou? Quem já pisou na bosta dentro da sala de estar sabe do que estou falando. E para repreender o cão, damos algumas palmadas. O cão conhece cedo os custos de andar fora da linha.

Mas eu estive a imaginar uma situação hipotética. Imagine que eles gostassem do chá, mas apenas quisessem a oportunidade de abrir o leque e comprar de outros. Imagine se jogassem o chá ao mar em protesto e, no dia seguinte, voltassem para pegá-lo (afinal, o produto estava pago, que absurdo deixar ali). Após isso, continuam comprando o chá normalmente, como se nada tivesse acontecido. Eles aprenderam a lição. A cena te pareceu absurda? Me pareceu bastante plausível, vi algo parecido há poucos dias.

Nosso país é famoso pela eficiência da manipulação das massas. Uma combinação bastante eficaz de uma cultura pobre, um sistema educacional abandonado e um apelo comercial constante, além de uma série de subsídios sociais, criou para o país uma cultura semelhante ao "pão e circo" que anos atrás chamei (não devo ter sido o primeiro nem o único) de "futebol e fome zero".

Mas há quem perceba que há uma manipulação. Quem disse que a massa é burra, não? Todos dizem "eu tenho opinião própria", "eu sou livre pra fazer o que quiser". Sou bombardeado por discursos de liberdade de opinião e independência cultural todos os dias.

Eu tenho uma má notícia: você não é livre. Eu também não o sou. Somos formados pelo ambiente ao nosso redor. Um ambiente violento cria pessoas violentas que não escolheram ser violentas, apenas aprenderam a acreditar que essa é a melhor opção. Não ouse chamar isso de liberdade. Um ambiente submisso cria pessoas submissas, um ambiente de omissão social cria cidadãos socialmente omissos. O mais interessante é que vejo essas mesmas pessoas falando umas das outras como se soubessem o que é melhor para o país.

E aqui começa uma bela história.

Falarei sobre televisão. Um certo grupo de pessoas bonitas e bem vestidas surge todos os dias dentro de nossas casas falando sobre o mundo e mostrando histórias fictícias.

Como elas são simpáticas e bem vestidas, a tendência é os aceitarmos de bom grado. Oferecemo-lhes espaço à mesa de jantar, reservamos tempo que de outra forma dedicaríamos a nossos filhos ou aos estudos, damos espaços de nossas vidas íntimas, os convidamos para nos acompanharem à cama para dormir ou para nos fazerem compania após o sexo.

É óbvio que essas pessoas podem muito bem decidir sobre o que vão falar e como vão falar. E as daremos crédito. Afinal, elas contam a mesma história em todas as casas, e são tão agradáveis ao falar.

Assim, essas pessoas nos ensinam valores, nos sugerem o que comprar, nos dizem como é melhor tratar o filho, e, acima de tudo, nos ensinam como lidar com nossos problemas.

Quando falo em televisão, muitos lembram de certa emissora em específico. Apenas para ter um nome com o qual lidar, chama-la-ei "Rede Bola de Televisão". Ela tem o compromisso público firmado de mostrar o mundo com imparcialidade, nos mostrar que é possível construir um mundo melhor... enfim, muito bem intencionados e voltados para um público livre.

Alguém percebeu que a coisa não é bem assim. Eles fingem dizer as coisas sem manifestar uma opinião, mas eles a implicitam. As pessoas engolem isso com farinha e, assim, aceitam como certo ou errado aquilo que é dito. Aceitam, por exemplo, que manifesto de rua é baderna. Quem queima carro está errado, então a Inglaterra estava certa em conter a baderna de rua, e aquelas pessoas são provavelmente vagabundos arruaceiros sem nada melhor pra fazer. "Jovens voltando das férias", como ouvi certa repórter perguntar.

Como várias pessoas perceberam a manipulação constante, decidiram se revoltar. Combinaram sua própria Festa da Bola do Facebook, o dia de jogar a Bola no mar. Passaram um dia sem assistir nada de sua programação.

No dia seguinte, todos estavam na praia recolhendo suas parcelas do chá. A lição já estava passada, podemos voltar a assistir a Rede Bola.

O fiasco é bastante simples: se eu assisto à Rede Bola todos os dias e interrompo essa frequência por um único dia, eu mostro... que consigo passar um dia sem Rede Bola. Um dia antes e um dia depois, eu precisava saber o que acontecia na novela. Eu precisava ver o jornal deles.

Para você que passou um dia sem Rede Bola, parabéns. Minha vez de dizer "grandes bosta". Como forma de protesto, você cagou na sala e, depois, estava abanando o rabo para seu dono e aguardando o afago de costume.

Se você não quer ser obrigado a comprar o chá da Inglaterra, você deixa de comprar o chá da Inglaterra. Se você não quer ser manipulado pela Rede Bola, você troca de canal. Ou faça melhor, desligue a TV. Seja como for, não pense que é um revolucionário: você não está fazendo nada grande, só está deixando de fazer algo idiota.

domingo, 27 de novembro de 2011

Ensaio sobre o tédio

O estresse é um momento interessante na vida do homem. Dizem que o excesso de preocupação estimula o processo criativo e facilita a produção cultural de muitas formas. Talvez isso explique como certas figuras notórias da poesia, dramaturgia, ciência e música lançaram suas obras primas em seus momentos mais decadentes enquanto seres humanos. Shakespeare, Bethoven e Newton poderiam ser os exemplos mais óbvios e clichês.

Mas o que dizer do tédio? O tédio é a falta do que ocupar a cabeça, se não estou muito enganado, o que o classifica como o oposto do estresse. De alguma forma bizarra, o tédio é responsável por muitas atitudes e produções muito menos sensatas que as grandes peças de teatro, concertos ou teorias de ciência natural.

Vou exemplificar: foi certamente em um momento de estresse que Einstein teve a luz de imaginar que o campo magnético nada mais é que um campo elétrico visto de outro referencial (iniciando o processo que levou à relatividade). Por outro lado, foi certamente em um momento de tédio que alguém pensou que um som muito alto no carro faria os vizinhos quererem ser seus amigos. Foi provavelmente o estresse que motivou Picasso a rabiscar sua genialidade e provavelmente o tédio que fez com que o primeiro indivíduo tivesse a idéia de ouvir música sem fone de ouvido no ônibus coletivo.

O tédio leva o indivíduo a buscar qualquer coisa que ocupe sua cabeça, e isso tende a levar aos jogos ou ao desastre. Ou a ambos. O tédio e a iniciativa se combinam de forma bizarra.

Mas o nível de tédio que quero relatar aqui transcende todas as espectativas de qualquer pessoa, até das mais criativas. Imagine pois que você está dominado por um nível de tédio equivalente a estar no vazio há uma eternidade, sem mesmo um lugar onde prender os olhos. Agora imagine que você tem a capacidade de fazer o que quiser, ao limite de sua criatividade. Some os fatores e você chegou ao local de onde o tédio não seria capaz de passar: você criou o mundo.

Sempre me questionei o que levaria alguém a passar 6 dias criando um mundo. Ouvi muitos argumentos, todos muito trabalhados, nenhum muito conclusivo. Mas todos sugeriam dois motivadores comuns: narcisismo e tédio.

Então assim começa uma história: eu, tomado por meu tédio, crio um mundo. Ainda não satisfeito com o mundo, resolvo povoá-lo com alguém capaz de dizer algo além de alguns grunhidos naturais. E assim faço o animal homem.

Existem teóricos da teologia que sugerem que um deus todo poderoso seria capaz de prever tudo o que vai acontecer, uma vez que o mundo segue os trilhos por ele definidos. Conhecendo o mundo o quanto eu conheço e as coisas pelas quais os animais humanos costumam passar me questionei por muito tempo o que faria o mundo ser criado em primeiro lugar, especialmente por alguém que sabe tudo que vai acontecer. Para isso também ouvi muitas respostas trabalhadas. Já ouvi coisas como "porque queria companheiros", "para louvor de sua glória", entre outros. Enfim, tédio e narcisismo.

Há quem questione que lançar um companheiro recém criado em um mundo onde os outros companheiros o tratarão como lixo seria uma tremenda sacanagem, então argumenta-se que o mundo é o caminho para mostrar quem é um companheiro digno do criador e quem não é. Não questionarei por que afinal o criador não faz apenas pessoas dignas para ele e as permite pular a provação.

Assim foi feito o mundo e povoado por um animal inteligente de índole heterogênea que se auto destrói. Mata seus semelhantes, não chega a qualquer conclusão sobre de onde veio e para onde vai. Seguindo a lógica que compara o tédio e o estresse, me parece sim uma obra de alguém entediado. Mal sabe esse mal criado animal que é fruto da criatividade entediada de alguém com muito poder e pouco a fazer.

No final das contas tudo faz sentido se você retornar ao incício da reflexão: não tem nada aqui, não tenho o que fazer, sequer tenho o que observar. Vou fazer um mundo e ver no que dá. Just out of boredom. O deslize de alguém tomado pelo tédio, sem sequer um sudoku para passar o tempo. Se Deus estivesse estressado no momento da criação, é possível que estivéssemos hoje vivendo a utopia e tivéssemos poderes sobrenaturais e asas. Pena que as coisas não aconteceram assim.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Conto de fadas

Era uma vez uma vila como qualquer outra, sem nada especial e sem ninguém notório. Próxima a essa vila jazia quase imperceptível em meio ao mato não arrancado uma casa, um dia pertencente a uma adorável velhinha.

Dois caminhos ligavam a vila à humilde casa, um longo e um curto. O curto, embora tendo metade da extensão do outro, era morada de um certo lobo trans sexual mal intencionado com um apetite voraz por velhinhas e moças de chapéus vermelhos. Embora sua estranha preferência pudesse servir de alento a alguns, os mais cautelosos evitavam esse trajeto por garantia.

Diz um antigo conto entre os vilões que certa feita, chapeuzinho vermelho pretendia visitar sua avó, que por coincidência era a simpática velha da casinha. Descuidada, a moça, cujo nome sugere que ela utilizava o adereço tão apreciado pelo canino, decidiu por tomar o caminho mais curto, ignorando os avisos de sua mãe de que deixaria de pagar seus estudos se andasse por aquelas bandas, pois aquele caminho era reservado para os de índole duvidosa.

Por fim, o destino da pobre donzela é até hoje discutido na vila com entusiasmo nas rodas e nos bares, onde o velhinho saudoso conta sobre seu avô caçador que matou o lobo e resgatou de sua barriga tanto moça (com chapéu) e velhinha (cujas roupas vestiam o animal - tente não imaginar em que condições ela saiu); o cético bêbado discute que a garganta do lobo não permitiria que ele comesse duas pessoas sem mastigar e algum babaca que já bebeu muito mais que é de bom tom faz ameaças de denunciar o falecido avô do velhinho ao IBAMA, acreditando estar sendo engraçado. Quando percebe que ninguém riu, inventa alguma frase de duplo sentido entre a espingarda do caçador e o gorro de chapeuzinho vermelho. Quando nota que não agradou mesmo assim, começa a chorar o término de seu namoro.

O lobo está devidamente morto, independente da versão verdadeira da história antiga. Mesmo assim, por precaução, uma fita zebrada foi passada para fechar o caminho e impedir que outros sigam por aquele trajeto de lobos comedores de mocinhas inocentes. Não que houvesse chance de ocorrerem novos ataques, poucos se preocupavam de verdade com isso. A reputação do caminho era ruim, coisa de moças de chapéu vermelho sem consideração pela família e pelas tradições de seguir o caminho certo.

Talvez o lobo nunca tenha existido de verdade, mas não faz diferença. De vez em quando, alguns curiosos passam escondidos pela fita zebrada, sem o conhecimento de suas famílias. Outros acharam o caminho divertido e para lá seguiam para suas noites de diversão. Notando que nada demais havia naquele trajeto, decidiram questionar com as autoridades de sua cidade o que havia de errado por ali.

As respostas costumavam ser sempre as mesmas: "O caminho certo é o longo, e sem mais perguntas.", "Deus fez o caminho longo para nós e o curto para os ímpios", "As folhas são verdes demais" e "Ê, rapaz, eu não sabia que você gostava dessas coisas não". Assim foi até o dia que alguém exigiu seus direitos de seguir o caminho que quisesse sem ser julgado por isso.

Começou com um ato simbólico: o prefeito mandou alguém colocar um galho em pé no chão segurando a fita para cima, representando a posição da prefeitura de nunca ter proibido a passagem. A fita ficou por ali, afinal ela nunca incomodou ninguém e haviam já 2 gerações que estava lá, amarela e preta e dizendo que ali não era um bom lugar.

Maliciosos, Bullies se posicionaram nas duas saídas do caminho e esperavam os que por ali se divertiam aparecerem para apontar e rir. Outros mais radicais carregavam barras de metal e pedaços de pau consigo e batiam naqueles que eram estranhos demais para andar pelo caminho certo.

Algum dia, um novo prefeito decidiu que aquilo estava passando dos limites (primeiro porque não se faz isso com uma pessoa e segundo porque não havia mesmo nada errado por ali - mas as más línguas ainda dizem que ele se esgueirava por ali depois que sua esposa dormia). Deixou bem claro perante a cidade que não gostava do caminho, mas que quem quisesse andar por ele deveria ser deixado em paz para seguir o caminho que quisesse.

Assim, como novo ato simbólico, ordenou que um moleque de 12 anos chutasse o galho (para descobrir que alguém já tinha feito isso há muito tempo) e deu a um dos usuários do caminho uma tesoura e uma máquina fotográfica para que ele e seus amiguinhos cortassem a fita e publicassem o ato num jornal local.

Os bullies naturalmente não pararam. A fita foi cortada, é claro, mas os pedaços de pau dos bullies não perdiam seu desempenho por isso. Injuriados, os usuários do caminho decidiram se entregar à sociedade. Diziam "Eu ando por ali sim e ninguém tem nada com isso", organizaram passeatas do "Orgulho do Caminho Mais Curto", criaram comunidades no Orkut e pediram para que fosse aprovado um projeto de lei que criminalizasse as pauladas.

Esclareço aqui que as pauladas sempre foram crime, independente do caminho ser bom ou não. O que era necessário era uma manifestação da justiça no sentido de dar uma atenção especial a quem gostava do caminho mais curto. Em breve, dezenas de pessoas passaram a ignorar a repressão de suas famílias e o preconceito dos amigos e passaram a frequentar aquele caminho.

Os bullies foram presos e as pessoas foram incentivadas a aceitarem os frequentadores do caminho mais curto. A história da Chapeuzinho Vermelho tornou-se um tabu e o velhinho foi processado por sugerir que algum dia um lobo andou por ali, afinal tal afirmação serve para recriminar os frequentadores do caminho. O velhinho argumentava dizendo que não falou nada sobre quem anda por ali, apenas uma história antiga, mas foi mandado à prisão de qualquer forma. Os livros didáticos deveriam excluir alusões e piadas sobre caminhos mais curtos, e quem fizesse um trocadilho envolvendo caminhos curtos e lobos estava passivo de processo por preconceito.

  
Em poucos anos, não havia mais mato no caminho mais curto. A casa ao final foi derrubada porque era considerada muito retrô, e se você mencionar que por qualquer motivo acha que há uma árvore no caminho mais comprido mais bonita que outra do caminho mais curto pode ter o mesmo destino do velhinho.

Todas essas mudanças são vitais e bem vistas pelos famosos da vila, em nome da manutenção da democracia e da liberdade de expressão, e se você discorda disso deve ser apedrejado em praça pública por ser um porco preconceituoso. 

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Sobre action figures e o fim do mundo

Conforme o tempo passa, a lógica do convívio social muda.

É interessante notar, por exemplo, o quanto os hábitos de vestimentas mudaram da idade moderna para cá. Antes, os ternos eram a roupa de passeio, o trajamento utilizado para qualquer situação que lhe retirasse do aconchego do lar: desde o encontro com os pais da namorada até a solução do pequeno impasse com seu vizinho. Por sinal, o impasse com seu vizinho, hoje resolvido com alguma gritaria ou o chamado da polícia, antigamente era resolvido com dez passos de distância e um único tiro. Alguns consideram que evoluímos, outros não têm tanta certeza.

Hoje evitamos o terno. Por sinal, poucos conhecem o termo "Traje de passeio", e se referem ao trajamento como "roupa social", já que ele agora serve para ocasiões especiais, como casamentos. Você não acerta as contas com seu vizinho usando um terno; em geral as pessoas preferem fazer isso de bermuda e chinelo, e ao invés de um tiro algumas bordoadas passam o recado. E seu sogro e sogra te consideram bem vestido se ao primeiro encontro você utilizar uma calça jeans, um tênis limpo e uma camiseta que não mostre uma folha de maconha. 

Mas as roupas não foram as maiores mudanças. O vocabulário sofreu distorções muito mais absurdas, e esse com certeza é o que muda com maior frequência. Expressões hoje comuns ao seu meio serão consideradas caretas em menos de dois anos. "Massa", uma gíria comum à minha infância, é careta. "Bacana" é um bocado careta, e "Careta" é extremamente careta.

Seu gosto musical será considerado arcaico dentro de uns quinze anos. Aliás, se você tem algum gosto musical provavelmente ficará chocado com as mudanças no gosto musical da maioria dentro de poucos anos e passará o resto de sua vida dizendo o quanto as músicas eram melhores no seu tempo, do mesmo jeito que seu pai faz com frequência. Temos certa resistência a mudanças.

No tempo citado dos ternos e duelos, homens economizavam por anos para comprar uma bengala de qualidade para ressaltar seu bom gosto e elegância, mesmo que isso significasse não mobiliar a casa. Há décadas, o maior gasto era com o terno vindo do bom alfaiate, a roupa que serviria como seu cartão de visitas por onde quer que fosse, e sua família não pouparia esforços para te ver bem vestido e, assim, se orgulhar. Hoje, de alguma forma bizarra, o status de alguns é definido por aparelhos de telefone celular que algum comerciante brasileiro apelidou MPx (substitua 'x' por algum número que satisfaça sua imaginação), vendidos em dez parcelas sem juros pelas casas Bahia e postos para tocar música de gosto duvidoso sem fones de ouvido no ônibus coletivo, almas caridosas ansiosas por compartilhar suas músicas gratuitamente com desconhecidos que estão indo trabalhar e anseiam desesperadamente pela chance de ouvir seu funk ou seu techno.

Tenho minha própria resistência a mudanças. Não gosto muito dos hábitos dos mais jovens de utilizar calças cuja cintura chega no joelho, rejeito com meu coração as franjas com chapinha do público juvenil de sexo dúbio e, com minha alma, reservo meus mais otimistas e sinceros votos aos proprietários dos MPx que ouvem música sem fone de ouvido no ônibus que tenham uma morte lenta por asfixia de desodorante Axe.

Talvez seja por isso que minha alma tem tamanha dificuldade em aceitar como vindos de mentes racionais certos conceitos que hoje são tão bem aceitos na grande massa. Por exemplo, eu poderia questionar "Que raios significa aquela máscara da Lady Gaga?", "Who tha fuck is Justin Bieber?" ou "O que aconteceu com o elástico das suas calças?". Mas ao invés disso, há outra questão que tem me tirado o sono e que gostaria de trazer à reflexão: Que diabos é a porra do "Orgulho Nerd"?

Sempre fui considerado nerd. Em minha infância, isso tinha um motivo muito bem definido, e envolvia meu hábito de jogar video game, tirar notas altas no colégio e não saber conversar com mulheres. Eu era chamado "nerd" por meus colegas não irem com a minha cara e gostarem de me ver irritado, simples assim. Um termo pejorativo, nascido para insultar e que eu rejeitava com todas as forças.

Hoje, me explique quem puder, algum rapaz coloca uma camiseta do Senhor dos Anéis, decora falas de Darth Vader e lê a obra de C.S. Lewis e, na mesa com os priminhos mais novos, bate no peito dizendo "sou nerd", como quem quer dar um bom exemplo de conduta aos seus aprendizes.

Não nego que não vou com a cara do povo que aderiu a essa onda que acha cult ser nerd, o que os encaixaria em minha definição anterior, mas acredito que alguma distorção dolorosa aconteceu por aqui. Em certa situação, fui questionado "Você não viu toda a série do Star Wars? Que tipo de nerd é você?".

Tal questionamento poderia levantar uma reflexão por si só. No momento, me limitei a responder "Do tipo que apanhou dos colegas na infância, ganhou o primeiro video game aos 2 anos e arrumou seu computador pelo telefone". A resposta satisfez e minha "imagem" como "nerd" foi preservada. Mas o questionamento permaneceu o mesmo.

Sou considerado um nerd, e explico que não é por meu gosto por RPG. Não tem a ver precisamente com o fato de preferir Linux a Windows ou por ter escolhido Física como minha graduação. Sou nerd desde infância por minha inaptidão ao convívio social. E talvez novamente por meu conservadorismo, nunca considerei minha dificuldade em conversar com meus vizinhos um motivo de orgulho.

Mas novamente, isso é uma questão minha, meu conservadorismo maltratando minha capacidade de aceitar certas mudanças sociais. Talvez seja apenas a idade manifestando seus sintomas. Talvez seja apenas uma mudança natural no significado da palavra "nerd" ou alguma estratégia de marketing muito inteligente.

Por fim, o fato é que sou um nerd. Da mesma forma que isso não fará você necessariamente gostar de mim, saiba que isso não me faria necessariamente gostar de você. E se você é fisiologicamente definido como um ser humano do sexo masculino e, por qualquer motivo, usa franja preta passada no ferro (a conhecida de toda mulher, a "chapinha"), a alcunha adequada não é "nerd, e sim "emo".

Antes que eu comece a falar sobre a mudança pela qual os emos passaram (de criaturas tristes que achavam cult cortar os pulsos, transformados em criaturas coloridas que acham cult falar como se tivessem alguma deficiência mental muito séria), encerrarei o texto por aqui. E se você tem um MPx, compre um fone de ouvido. Você descobrirá entre as vantagens o fato de o fone de ouvido emitir um som de muito maior qualidade e definição que o auto falante de seu celular, e eu usufruirei da outra grande vantagem: o fato de não precisar ouvir sua música.

Caso contrário, sonhe com frascos de Axe acoplados a um inalador.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Concerto cotidiano: rock das ruas curitibanas

Algumas pessoas dizem que certas músicas lembram certos momentos da vida. Talvez o fato da música ter sido ouvida repetidamente em algum momento específico faça com que a pessoa retome aquele momento maravilhoso com suas sensações, como o êxtase do primeiro beijo para os românticos que ouvem a música do casal, a fossa do fim de namoro para os deprimidos e bipolares que ouvem música de corno ou a emoção do começo de um "novo" episódio do Dragon Ball para os piás de prédio que ouvem aquela porcaria de música de entrada. Os artistas vão além e sugerem que momentos sugerem músicas e trazem a inspiração necessária à composição.

Não sou um artista. Talvez dos três grupos citados há pouco, posso me considerar como membro de todos. Apesar disso, há momentos que me sugerem músicas. Não as músicas inteiras, mas pelo menos os títulos.

E foi esse sábado um daqueles dias de inspiração. Vários momentos renderiam músicas incríveis baseadas no teatro cotidiano, e vários estilos diferentes podem ser destacados ali no meio. Nomes em inglês, apenas porque em português eles perdem a cara de nome de música (afinal, estamos habituados a ver nomes horríveis de música em inglês apenas).

O concerto poderia começar com o estilo punk. A música "Keep your flags up" traria o tempero patriota para falar sobre as pessoas balançando bandeiras com dizeres "Vote XX, Fulano de Tal" pelas ruas, num som que dá vontade de dar pulinhos e que, curiosamente, não te dá vontade de votar em ninguém. Músicas mais pesadas poderiam seguir, como a "I don't like you", uma música mais pesada e de ritmo mais rápido, com ênfase na bateria (Que curiosamente lembra um concerto de latas de lixo viradas de ponta cabeça sendo tocadas por trolls equipados com troncos de árvores) e falaria sobre uma temática mais curitibana, como o agradável hábito das pessoas não te responderem quando você dá bom dia.

Com o estilo aos poucos abandona o punk e parte para um instrumental gradativamente mais pesado, aos poucos nos aventuramos no ambiente do thrash metal e passamos a sacudir nossas cabeças enquanto uma pessoa nos insulta no palco. "Bruised" daria início a uma reflexão sobre a inabilidade de certos motoristas a estacionar nas vagas a eles disponíveis. "Stay away from me" retrata os desejos desesperados daqueles que são abordados por religiosos na rua e não estão interessados no algodão sagrado benzido no óleo de jerusalém (que por algum motivo não explicado te trará dinheiro e é de graça - afinal eles não estão interessados no seu dinheiro).

O concerto quebra o clima para partir ao power metal melódico. É necessário quebrar o clima ao invés de partir aos poucos na direção do estilo, uma vez que power metal melódico não combina com porra nenhuma. Mas as temáticas medievais comuns a esse estilo muito lembram o convívio das grandes cidades. "Living by the blade" falaria sobre a luta cotidiana do trombadinha que, cansado do discurso de que "poderia tá robanu, poderia tá matanu, mas tá pedinu", decidiu por assumir uma atitude decidida e honrosamente batalhar por seu sustento. Batalhar no sentido literal, afirmando que está "robanu e é melhor cê dá a grana ou ele vai tá te matanu", então ele corre em perseguições em meio à cidade fugindo da próxima música: "Knights of Justice" que fala da polícia muito interessada em resolver os problemas da população humilde.

E o concerto, para voltar a ter alguma música, quebra novamente o clima abandonando o power metal. Por conveniência, termina com músicas de prog metal. "Curitiban Skies" iniciaria falando sobre o belo céu que banha os curitibanos com seu nobre tom cinzento, alimentando os desejos europeus desses cidadãos de bem de permanecerem em suas casas sem falar com ninguém. "Dilma in the rain" falaria sobre o cartaz político abandonado à chuva. Para finalizar o concerto, "No Yellows on Horizon", uma música de 25 minutos que trata em tempo real dos pensamentos turbulentos da pobre mente abandonada ao relento da espera do ônibus Vila Rex, com solos de guitarra escritos em partitura e viradas de bateria que estarão ali pra encher linguiça e manter o tempo longo e te lembrar o quanto esses músicos são foda e o quanto você não se parece com eles.

Após o concerto, o curitibano continua olhando para um ponto fixo para não precisar encara ninguém à sua volta.