quinta-feira, 24 de abril de 2008

Interbairros II (III) - A Ascenção do Verdão

Gosto de filosofar a respeito daquilo que temos por evolução das espécies. Reza o neo darwinismo (me perdoem os biólogos caso eu fale alguma heresia) que um passo evolucionário se dá quando uma variação mutante de uma espécie se mostra mais apta a sobreviver a uma condição que seus pais considerados "normais". Aqueles que me conhecem certamente imaginariam que eu usaria uma frase dessas para introduzir um conto sobre a intuilidade da normalidade e dos paradigmas relacionais das pessoas, mas nessa hora eu aponto para a sua cara, rio e digo, sem medo de ser feliz, "HAHAHA, erro-ou". Quero ressaltar a parte que diz "apto" em detrimento do senso comum que acredita que a evolução se dá pela sobrevivência do mais forte. Isso é uma mentira tão grande quanto imaginar que os dinossauros são mais evoluídos que as baratas ou elaborar uma explicação sobre o seu vizinho que ouve "créu" dentro do carro, sem a desculpa de ver as mulheres rebolando.

Fazendo uma comparação horrível com a nossa realidade de país de terceiro mundo com nossos problemas, paradoxos e, acima de tudo, filhadaputagens sociais, além de nossos conhecidíssimos problemas de julgamentos tãão precipitados de políticos corruptos (tadinhos, eles só querem ter uma vida digna), me vejo obrigado a perceber que, na vida social, o mais forte é o que normalmente sobrevive. Sim, e para argumentar a favor de tão ousada afirmação, posso trazer fatos cotidianos simples, como assaltos a mão armada, brigas de torcidas organizadas e etc. Posso, mas não vou, prefiro trazer algo mais simples e comum. Em resumo, estou escrevendo outro fato observado dentro da esplendorosa representação verde do proletário e do estudante curitibano: O Interbairros II.

A cena pode ser descrita como um teatro. Os comentários escritos [dessa forma] são uma possível dramatização para a elaboração de um filme americano com personagens clichês. O restante é aquilo que eu observo e aquilo que eu penso, como sempre. Personagens envolvidos na cena: O motorista do verdão, velho homem careca com cara de autista [e uma sede insaciável por justiça], o cobrador, um homem qualquer [que alimenta um amor platônico pela mocinha], o físico estranho (outro pleonasmo) que nada mais é que um loiro estranho carregando um fichário, dois policiais civis curitibanos dentro de uma viatura (que nada mais é que um carro popular pintado diferente e com alguns apetrechos legais) que dirigiam vagarosamente [comendo rosquinhas e recebendo propina de traficantes de drogas e cobrando impostos injustos de pessoas simples que tentam vender seus DVDs para sobreviver] e a mocinha, a mulher que conversa com o cobrador.

Cena: Os policiais dirigem tranqüilamente pela estrada que sai da Derosso, no caminho do Interbairros II [, a heróica máquina defensora dos fracos e oprimidos]. O motorista, com sua imutável expressão autista de Steven-Seegal-com-sede-por-sangue, [em vista da opressão que aquele carro representava,] decidiu que era hora de ultrapassar a viatura. Acelerando aos poucos, se aproximava impetuosamente. Puxo aqui uma representação interessante: a viatura policial tem a autoridade e as armas, seriam, metaforicametne, organismos complexos e bem aptos para viver em uma cidade grande. O motorista do Interbairros tinha um carro grande e verde, o que o confere a situação metafórica de uma criatura grande e gorda, talvez possa ousar considerá-lo um predador carnívoro. O motorista [, após lembrar o que os policiais fizeram à sua esposa naquela impetuosa noite chuvosa de outono,] acelerou um pouco mais, chegando perto de tocá-los o carro por trás. [O motorista lembrou de seus pais, de como policiais humilharam sua família, tocou em cima.] Sim, os policiais respresentavam a lei, mas o interbairros era bem maior. Eles fizeram o sensato e saíram do caminho [, girando três vezes, capotando e atingindo um caminhão que carregava gasolina, explodindo e lançando vários pedaços de rosquinhas pelos ares]. A mocinha comenta [com ar triunfal, ao som do hino americano]: Não é hora pra eles ficarem aí, passeando. [Em seguida a isso, o motorista vai para sua casa em Chapecó com seus filhos, o cobrador casa com a mocinha e fundam uma base de resistência ao sistema opressor comunista e todos vivem felizes para sempre.] Culmina que o papel do físico, como de praxe, é ficar assistindo e pensando na forma mais peculiar de registrar o fato por escrito.

Bom, a intenção dos textos entre sinais [] é só deixar a sugestão para um roteiro para a situação, um texto totalmente enriquecido culturalmente e, acima de tudo, imparcial a respeito do caráter de todos os personagens envolvidos. Um típico filme americano, sem sombra de dúvida.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Automáticos e cretinos

Sim, essa é a tecnologia. Estou eu em frente à maior representação da evolução da tecnologia e de seu acesso pelo povo, o lembrete do trabalho que ainda não fiz, a força intelectual que guarda relevante parcela de nossas informações e, por vezes, até manda em seus donos. Esse que fala por si só: o famoso PC, o Personal Computer, um Desktop ou, em bom português, o computador, esse que tem com seu usuário uma relação íntima de amor e ódio de proporções tão impressionantes que me fazem refletir sobre a interação entre o ser humano e suas criações. Sim, o homem criou o computador à sua imagem e semelhança: a máquina é vaidosa e orgulhosa, exigindo por vezes peças novas e de ponta, é imprevisível e, detalhe marcante, temperamental, faltando em suas funções por motivos esdrúxulos como um mero cabinho fora do lugar. Bom, talvez o homem não o tenha feito à própria imagem e sim à imagem da mulher, afinal, em nosso mundo, tudo termina, de alguma forma, na relação intersexual.

E é essa máquina carregada de significados que paro para observar por um momento específico. Certamente Maxwell, ao escrever suas equações para o eletromagnetismo (que cito no Conto Divino), jamais imaginou que as coisas chegariam onde chegaram. Acredito que ele teria pensado duas vezes e talvez tivesse deixado a culpa de tal avanço para algum outro João Ninguém (então teríamos as "Equações de Ninguém") que ficaria com todo o crédito e ficaria famoso. Invariantemente, estaríamos na mesma situação.

Minha máquina, em específico, tem nome: Galileo. Galileo não foge à regra: é uma típica máquina de temperamento feminino da qual dependo o tempo todo. No dia de hoje, estivemos relembrando uma antiga crise pela qual temos passado há alguns dias, afinal, ele parece carente de atenção. Mas não ousem por-lhe a masculinidade em dúvida (ele é sensível). Estamos a discutir relacionamento.

Acredito que a justificativa para seu temperamento amargo seja a condição utilitária na qual deve se sentir... Eu me achego apenas para usufruir daquilo que ele me oferece: a maior parte do tempo ele está ligado e está a realizar alguma tarefa, como puxar algum arquivo da rede internacional, processar alguma simulação numérica medonha (física, física...), exibir algum texto qualquer, rodar jogos, tocar músicas ou escrever porcarias sem propósito em um blog. Aconteceu que hoje ele ficou lento, travado, o processador não dava conta de tudo que tinha para rodar. Não na velocidade certa pelo menos. Estou acostumado a isso me acontecer, logo, fiz o comando padrão para abrir o gerenciador de tarefas de meu sistema operacional, um saudoso sistema ao estilo caixa preta (que ninguém sabe o que vai dentro), e rapidamente localizei o processo que travava (basta procurar o processo que ocupa mais de 90% da capacidade da CPU). Fechado o processo, continuei o que fazia, até que tive que repetir o processo.

Quando isso acontece, sempre tenho surpresas desagradáveis (que me lembram de que já passou da hora de formatar o disco rígido), e hoje não foi diferente. Decidi que era hora de abrir o msn e ouvir música, e assim o fiz. Aberto o Messenger e aberto o tocador de mídia, qual não foi a surpresa? Uma mensagem do tocador de mídia: "Não há dispositivo de som configurado para o ^*&%^$%". Certo, como diria certo alemão famoso de um vídeo infame: "basta pensar positivo". Estava sem música. Como sobrevivo eu em frente ao computador sem música? Galileo sabe protestar. Sem música, sem som no Messenger e no site de vídeos... sem som. Fui abrir o controle de volume, por mera formalidade, e não fui surpreendido: um "plim" seguido do aviso "Não há dispositivo de som configurado". Em resumo, "Não tem som, seu mala". Mas eu não consegui desprezar o "Plim". Para ter certeza, cliquei novamente e ouvi o mesmo "plim". Temperamental. Não tem apenas o som que eu quero que tenha. E lá vou eu pensar em como resolver uma briga dessas. Eu estava pronto para tudo, menos para uma discussão de relacionamento com a máquina que melhor representa a falta de tino da humanidade. No final, optei pela "chave mestra para a solução de problemas de caráter geral", uma arrojada técnica que serve para situações as mais adversas: A função "Reiniciar o computador". Sim, isso sempre funciona. Também não pude deixar a musiquinha "Tanananam" do Logoff passar em branco. Temperamental, mas, ao retornar, novo em folha, como na primeira vez que foi ligado. Temperamental, mas certamente fácil de conquistar o perdão. Computadores de fato não se igualam à personalidade feminina na TPM.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Guadalupe

Dentre todos os acontecimentos do decorrer do tempo, sejam eles registrados historicamente ou não, sempre conhecemos algum deles que mais nos chocam, como, por exemplo, alguns se chocam com as guerras mundiais, outros com a revolução francesa, alguns com o experimento que mostra elétron como partícula, alguns outros ainda com o experimento subseqüente que mostra o elétron como onda e até certas pessoas que se chocam com a morte do Brizola. Eu pessoalmente me choco com o Big Bang, se é que ele aconteceu. Imagino a explosão em meio ao nada, a expansão do espaço, o "surgimento" da matéria, o colapso de estrelas, o condensamento de planetas, a solidificação de crostas, a formação de um planeta específico que chamamos Terra, o surgimento da vida, o surgimento da humanidade, a evolução do pensamento e da tecnologia, a formação da sociedade, as revoluções, a descoberta da América, mais revoluções, a nossa bela cidade de Curitiba... tudo isso, para, inevitável ou não, encararmos a barbárie que a vida cotidiana nos apresenta dia após dia. Não, não estou falando do Interbairros II dessa vez, estou falando de algum lugar esporádico em nossa bela cidade, o famoso terminal do Guadalupe, a belo antigo terminal rodoviário intermunicipal de Curitiba que hoje abriga diversos ônibus que alimentam bairros de periferia e cidades satélite de nossa modesta metrópole.

Antigo abrigo das pessoas que esperavam seus ônibus para abandonarem a cidade e das que nela chegavam, hoje tal terminal é um curioso local freqüentado pelas figuras mais inusitdas, estranhas, ébrias e, acima de tudo, pouco confiáveis das regiões centrais desse lugar que, apesar das propagandas pelo país, também tem seus contratempos sociais. Lá, o observador ocioso, mesmo que distraído, sempre consegue captar algum fato inesperado como encontros efusivos entre ébrios, congestionamentos, brigas ou, se tiver sorte, o desaparecimento da própria carteira.

O momento que narro aqui é outro daqueles que me fazem refletir a respeito do nosso surgimento e de nosso desenvolvimento enquanto sociedade. Descia eu distraído de meu ônibus "Sitio Cercado", um carro das populares linhas "Ligeirinho", os ônibus cinza de poucas paradas que utilizam o formato de portas com pontes e atravessam a cidade. O Sitio Cercado, em especial, é um daqueles que, em certos horários, desafiam a capacidade humana de auto-compactação e de resistência aos odores de seus semelhantes. Por sorte, não é comum encontrar ônibus dessa linha com o aviso fixado "Janela lacrada - veículo equipado com ar condicionado", afinal, eu ainda valorizo meus pulmões (além de que não gosto de depender dos postos de saúde). Estava eu no momento em que retomava meu volume original após desembarcar, caminhando em direção ao meu modesto local de trabalho, quando um homem se levantou de um degrau. Tinha ele uma expressão agressiva e uma forma peculiar de caminhar entrelaçando as pernas e tinha, à mão, um recipiente plástico de gargalo enforcado em cujo interior era visível um fluido transparente e em cuja casca era estampado um rótulo frugal qualquer, uma típica "garrafa de cachaça", certamente a bebida preferida de muitos daquela região.

Caminhou o homem até o meio fio e levantou sua garrafa, olhando atentamente para o homem ao outro lado da rua, não com a intenção de convidar a um brinde ou de oferecer um "gole", mas visivelmente na iminência de arremessá-la com força para baixo. E foi o que fez.

Lançou o homem a garrafa contra o asfalto. Não era uma garrafa de vidro de forma alguma, mas com certeza sabia quebrar: os pedaços de plástico se espalharam pelo asfalto tal como a bebida que o recipiente carregava, formando uma bela mancha ao chão que poderia ser confundida com água não fosse o suave aroma de cachaça que se confundia com o suor do homem, um odor característico dos bares mal freqüentados por onde se encontram pessoas filosofando, cantando e, muitas vezes, se pronunciando imponentemente de uma forma muito característica e pouco fácil de ser entendida.

Espedaçada sua garrafa, o homem apontou a um homem que se encontrava ao outro lado da avenida em tom de ameaça, uma legítima intimidação, um convite ao acerto de uma provável desavença (que seria consumado caso o homem ao outro lado da rua soubesse quem era seu "oponente"). Com a presença e o protesto devidamente impostos, retornou o homem ao seu lugar ao degrau de entrada de uma loja fechada e retomou seu antigo sono com uma expressão característica do homem que cumpre um grande objetivo de vida.