domingo, 27 de novembro de 2011

Ensaio sobre o tédio

O estresse é um momento interessante na vida do homem. Dizem que o excesso de preocupação estimula o processo criativo e facilita a produção cultural de muitas formas. Talvez isso explique como certas figuras notórias da poesia, dramaturgia, ciência e música lançaram suas obras primas em seus momentos mais decadentes enquanto seres humanos. Shakespeare, Bethoven e Newton poderiam ser os exemplos mais óbvios e clichês.

Mas o que dizer do tédio? O tédio é a falta do que ocupar a cabeça, se não estou muito enganado, o que o classifica como o oposto do estresse. De alguma forma bizarra, o tédio é responsável por muitas atitudes e produções muito menos sensatas que as grandes peças de teatro, concertos ou teorias de ciência natural.

Vou exemplificar: foi certamente em um momento de estresse que Einstein teve a luz de imaginar que o campo magnético nada mais é que um campo elétrico visto de outro referencial (iniciando o processo que levou à relatividade). Por outro lado, foi certamente em um momento de tédio que alguém pensou que um som muito alto no carro faria os vizinhos quererem ser seus amigos. Foi provavelmente o estresse que motivou Picasso a rabiscar sua genialidade e provavelmente o tédio que fez com que o primeiro indivíduo tivesse a idéia de ouvir música sem fone de ouvido no ônibus coletivo.

O tédio leva o indivíduo a buscar qualquer coisa que ocupe sua cabeça, e isso tende a levar aos jogos ou ao desastre. Ou a ambos. O tédio e a iniciativa se combinam de forma bizarra.

Mas o nível de tédio que quero relatar aqui transcende todas as espectativas de qualquer pessoa, até das mais criativas. Imagine pois que você está dominado por um nível de tédio equivalente a estar no vazio há uma eternidade, sem mesmo um lugar onde prender os olhos. Agora imagine que você tem a capacidade de fazer o que quiser, ao limite de sua criatividade. Some os fatores e você chegou ao local de onde o tédio não seria capaz de passar: você criou o mundo.

Sempre me questionei o que levaria alguém a passar 6 dias criando um mundo. Ouvi muitos argumentos, todos muito trabalhados, nenhum muito conclusivo. Mas todos sugeriam dois motivadores comuns: narcisismo e tédio.

Então assim começa uma história: eu, tomado por meu tédio, crio um mundo. Ainda não satisfeito com o mundo, resolvo povoá-lo com alguém capaz de dizer algo além de alguns grunhidos naturais. E assim faço o animal homem.

Existem teóricos da teologia que sugerem que um deus todo poderoso seria capaz de prever tudo o que vai acontecer, uma vez que o mundo segue os trilhos por ele definidos. Conhecendo o mundo o quanto eu conheço e as coisas pelas quais os animais humanos costumam passar me questionei por muito tempo o que faria o mundo ser criado em primeiro lugar, especialmente por alguém que sabe tudo que vai acontecer. Para isso também ouvi muitas respostas trabalhadas. Já ouvi coisas como "porque queria companheiros", "para louvor de sua glória", entre outros. Enfim, tédio e narcisismo.

Há quem questione que lançar um companheiro recém criado em um mundo onde os outros companheiros o tratarão como lixo seria uma tremenda sacanagem, então argumenta-se que o mundo é o caminho para mostrar quem é um companheiro digno do criador e quem não é. Não questionarei por que afinal o criador não faz apenas pessoas dignas para ele e as permite pular a provação.

Assim foi feito o mundo e povoado por um animal inteligente de índole heterogênea que se auto destrói. Mata seus semelhantes, não chega a qualquer conclusão sobre de onde veio e para onde vai. Seguindo a lógica que compara o tédio e o estresse, me parece sim uma obra de alguém entediado. Mal sabe esse mal criado animal que é fruto da criatividade entediada de alguém com muito poder e pouco a fazer.

No final das contas tudo faz sentido se você retornar ao incício da reflexão: não tem nada aqui, não tenho o que fazer, sequer tenho o que observar. Vou fazer um mundo e ver no que dá. Just out of boredom. O deslize de alguém tomado pelo tédio, sem sequer um sudoku para passar o tempo. Se Deus estivesse estressado no momento da criação, é possível que estivéssemos hoje vivendo a utopia e tivéssemos poderes sobrenaturais e asas. Pena que as coisas não aconteceram assim.

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