segunda-feira, 6 de junho de 2011

Sobre action figures e o fim do mundo

Conforme o tempo passa, a lógica do convívio social muda.

É interessante notar, por exemplo, o quanto os hábitos de vestimentas mudaram da idade moderna para cá. Antes, os ternos eram a roupa de passeio, o trajamento utilizado para qualquer situação que lhe retirasse do aconchego do lar: desde o encontro com os pais da namorada até a solução do pequeno impasse com seu vizinho. Por sinal, o impasse com seu vizinho, hoje resolvido com alguma gritaria ou o chamado da polícia, antigamente era resolvido com dez passos de distância e um único tiro. Alguns consideram que evoluímos, outros não têm tanta certeza.

Hoje evitamos o terno. Por sinal, poucos conhecem o termo "Traje de passeio", e se referem ao trajamento como "roupa social", já que ele agora serve para ocasiões especiais, como casamentos. Você não acerta as contas com seu vizinho usando um terno; em geral as pessoas preferem fazer isso de bermuda e chinelo, e ao invés de um tiro algumas bordoadas passam o recado. E seu sogro e sogra te consideram bem vestido se ao primeiro encontro você utilizar uma calça jeans, um tênis limpo e uma camiseta que não mostre uma folha de maconha. 

Mas as roupas não foram as maiores mudanças. O vocabulário sofreu distorções muito mais absurdas, e esse com certeza é o que muda com maior frequência. Expressões hoje comuns ao seu meio serão consideradas caretas em menos de dois anos. "Massa", uma gíria comum à minha infância, é careta. "Bacana" é um bocado careta, e "Careta" é extremamente careta.

Seu gosto musical será considerado arcaico dentro de uns quinze anos. Aliás, se você tem algum gosto musical provavelmente ficará chocado com as mudanças no gosto musical da maioria dentro de poucos anos e passará o resto de sua vida dizendo o quanto as músicas eram melhores no seu tempo, do mesmo jeito que seu pai faz com frequência. Temos certa resistência a mudanças.

No tempo citado dos ternos e duelos, homens economizavam por anos para comprar uma bengala de qualidade para ressaltar seu bom gosto e elegância, mesmo que isso significasse não mobiliar a casa. Há décadas, o maior gasto era com o terno vindo do bom alfaiate, a roupa que serviria como seu cartão de visitas por onde quer que fosse, e sua família não pouparia esforços para te ver bem vestido e, assim, se orgulhar. Hoje, de alguma forma bizarra, o status de alguns é definido por aparelhos de telefone celular que algum comerciante brasileiro apelidou MPx (substitua 'x' por algum número que satisfaça sua imaginação), vendidos em dez parcelas sem juros pelas casas Bahia e postos para tocar música de gosto duvidoso sem fones de ouvido no ônibus coletivo, almas caridosas ansiosas por compartilhar suas músicas gratuitamente com desconhecidos que estão indo trabalhar e anseiam desesperadamente pela chance de ouvir seu funk ou seu techno.

Tenho minha própria resistência a mudanças. Não gosto muito dos hábitos dos mais jovens de utilizar calças cuja cintura chega no joelho, rejeito com meu coração as franjas com chapinha do público juvenil de sexo dúbio e, com minha alma, reservo meus mais otimistas e sinceros votos aos proprietários dos MPx que ouvem música sem fone de ouvido no ônibus que tenham uma morte lenta por asfixia de desodorante Axe.

Talvez seja por isso que minha alma tem tamanha dificuldade em aceitar como vindos de mentes racionais certos conceitos que hoje são tão bem aceitos na grande massa. Por exemplo, eu poderia questionar "Que raios significa aquela máscara da Lady Gaga?", "Who tha fuck is Justin Bieber?" ou "O que aconteceu com o elástico das suas calças?". Mas ao invés disso, há outra questão que tem me tirado o sono e que gostaria de trazer à reflexão: Que diabos é a porra do "Orgulho Nerd"?

Sempre fui considerado nerd. Em minha infância, isso tinha um motivo muito bem definido, e envolvia meu hábito de jogar video game, tirar notas altas no colégio e não saber conversar com mulheres. Eu era chamado "nerd" por meus colegas não irem com a minha cara e gostarem de me ver irritado, simples assim. Um termo pejorativo, nascido para insultar e que eu rejeitava com todas as forças.

Hoje, me explique quem puder, algum rapaz coloca uma camiseta do Senhor dos Anéis, decora falas de Darth Vader e lê a obra de C.S. Lewis e, na mesa com os priminhos mais novos, bate no peito dizendo "sou nerd", como quem quer dar um bom exemplo de conduta aos seus aprendizes.

Não nego que não vou com a cara do povo que aderiu a essa onda que acha cult ser nerd, o que os encaixaria em minha definição anterior, mas acredito que alguma distorção dolorosa aconteceu por aqui. Em certa situação, fui questionado "Você não viu toda a série do Star Wars? Que tipo de nerd é você?".

Tal questionamento poderia levantar uma reflexão por si só. No momento, me limitei a responder "Do tipo que apanhou dos colegas na infância, ganhou o primeiro video game aos 2 anos e arrumou seu computador pelo telefone". A resposta satisfez e minha "imagem" como "nerd" foi preservada. Mas o questionamento permaneceu o mesmo.

Sou considerado um nerd, e explico que não é por meu gosto por RPG. Não tem a ver precisamente com o fato de preferir Linux a Windows ou por ter escolhido Física como minha graduação. Sou nerd desde infância por minha inaptidão ao convívio social. E talvez novamente por meu conservadorismo, nunca considerei minha dificuldade em conversar com meus vizinhos um motivo de orgulho.

Mas novamente, isso é uma questão minha, meu conservadorismo maltratando minha capacidade de aceitar certas mudanças sociais. Talvez seja apenas a idade manifestando seus sintomas. Talvez seja apenas uma mudança natural no significado da palavra "nerd" ou alguma estratégia de marketing muito inteligente.

Por fim, o fato é que sou um nerd. Da mesma forma que isso não fará você necessariamente gostar de mim, saiba que isso não me faria necessariamente gostar de você. E se você é fisiologicamente definido como um ser humano do sexo masculino e, por qualquer motivo, usa franja preta passada no ferro (a conhecida de toda mulher, a "chapinha"), a alcunha adequada não é "nerd, e sim "emo".

Antes que eu comece a falar sobre a mudança pela qual os emos passaram (de criaturas tristes que achavam cult cortar os pulsos, transformados em criaturas coloridas que acham cult falar como se tivessem alguma deficiência mental muito séria), encerrarei o texto por aqui. E se você tem um MPx, compre um fone de ouvido. Você descobrirá entre as vantagens o fato de o fone de ouvido emitir um som de muito maior qualidade e definição que o auto falante de seu celular, e eu usufruirei da outra grande vantagem: o fato de não precisar ouvir sua música.

Caso contrário, sonhe com frascos de Axe acoplados a um inalador.

3 comentários:

Line disse...

Depois desse tapa me sinto até receosa em admitir minha ligeira queda por nerds... Hahaha...
De qualquer forma, eu gosto de vc tá, Rudi?
E me divirto com seus textos... rs
Bjuuu!

Thiago Magno disse...

"reservo meus mais otimistas e sinceros votos aos proprietários dos MPx que ouvem música sem fone de ouvido no ônibus que tenham uma morte lenta por asfixia de desodorante Axe"

ngm jamais foi tão criativo pra matar um funkeiro... e fazer eles morrerem no proprio cheiro é alem de tudo genial!
Não sei qual é o problema das pessoas, mas é fato que antes o motivo de sermos piada no colegio nos tornou mais "cool". Eu realmente n me importo muito com isso, melhor pra mim - agora eu to na moda =P
Já ia me esquecendo... Como assim você nunca viu a trilogia completa de star wars? kkkkk

Otimo texto Flubber-Sama!

Bazu disse...

Pois é Flubber, alguns alunos da UFPR, depois de alguns trabalhos em conjunto (principalmente em Júri-Simulado), ao verem que eu gosto de videogames/seriados/animes/mangás, se assustaram, dizendo que eu era nerds, não tinha cara disso e eu era sociável.
Mas não acho que a idéia do "Orgulho Nerd" seja necessariamente ruim, veja bem, vi UMA ÚNICA reportagem a respeito que prestou (5 minutos do Fantástico, alguns anos atrás) que mostrava os nerds como pessoas perfeitamente normais, que trabalham, têm sua renda, e que partilham um interesse em comum. Acho legal que coisas assim minimizem uma imagem pejorativa que existe, o problema é que reportagens desse naipe são extremamente raras.
Mas são excelentes pensamentos Flubber, keep going my friend!