Por algum motivo, andei pensando na chamada "Festa do Chá de Boston", ou Boston Tea Party para fazer jus ao nome original. Não me proponho a fazer um blog para falar de história, então vou resumir aquilo que me foi ensinado: colonos do território dos Estados Unidos não aceitavam ser obrigados a comprar o chá que a Inglaterra lhes determinava por lei, então, como foram impedidos de enviar o chá devolta a sua origem, decidiram por jogá-lo ao mar.
É um exemplo de ato "grandes bosta" para alguns, mas tem um significado simbólico fortíssimo: revela insatisfação e demonstra uma tendência forte para a independência. Diz "Se não posso ter o chá que quero, não terei chá", simples assim.
Protestos não são atos fáceis, muito menos simples. Declarar insatisfação e tomar uma atitude contra alguém que, do fundo do coração, não se importa com isso é uma atitude muitas vezes perigosa. Acha que não? Seu cachorro já aprendeu o custo dos protestos. O que seu cão faz quando está bravo com você? Nunca notou? Quem já pisou na bosta dentro da sala de estar sabe do que estou falando. E para repreender o cão, damos algumas palmadas. O cão conhece cedo os custos de andar fora da linha.
Mas eu estive a imaginar uma situação hipotética. Imagine que eles gostassem do chá, mas apenas quisessem a oportunidade de abrir o leque e comprar de outros. Imagine se jogassem o chá ao mar em protesto e, no dia seguinte, voltassem para pegá-lo (afinal, o produto estava pago, que absurdo deixar ali). Após isso, continuam comprando o chá normalmente, como se nada tivesse acontecido. Eles aprenderam a lição. A cena te pareceu absurda? Me pareceu bastante plausível, vi algo parecido há poucos dias.
Nosso país é famoso pela eficiência da manipulação das massas. Uma combinação bastante eficaz de uma cultura pobre, um sistema educacional abandonado e um apelo comercial constante, além de uma série de subsídios sociais, criou para o país uma cultura semelhante ao "pão e circo" que anos atrás chamei (não devo ter sido o primeiro nem o único) de "futebol e fome zero".
Mas há quem perceba que há uma manipulação. Quem disse que a massa é burra, não? Todos dizem "eu tenho opinião própria", "eu sou livre pra fazer o que quiser". Sou bombardeado por discursos de liberdade de opinião e independência cultural todos os dias.
Eu tenho uma má notícia: você não é livre. Eu também não o sou. Somos formados pelo ambiente ao nosso redor. Um ambiente violento cria pessoas violentas que não escolheram ser violentas, apenas aprenderam a acreditar que essa é a melhor opção. Não ouse chamar isso de liberdade. Um ambiente submisso cria pessoas submissas, um ambiente de omissão social cria cidadãos socialmente omissos. O mais interessante é que vejo essas mesmas pessoas falando umas das outras como se soubessem o que é melhor para o país.
E aqui começa uma bela história.
Falarei sobre televisão. Um certo grupo de pessoas bonitas e bem vestidas surge todos os dias dentro de nossas casas falando sobre o mundo e mostrando histórias fictícias.
Como elas são simpáticas e bem vestidas, a tendência é os aceitarmos de bom grado. Oferecemo-lhes espaço à mesa de jantar, reservamos tempo que de outra forma dedicaríamos a nossos filhos ou aos estudos, damos espaços de nossas vidas íntimas, os convidamos para nos acompanharem à cama para dormir ou para nos fazerem compania após o sexo.
É óbvio que essas pessoas podem muito bem decidir sobre o que vão falar e como vão falar. E as daremos crédito. Afinal, elas contam a mesma história em todas as casas, e são tão agradáveis ao falar.
Assim, essas pessoas nos ensinam valores, nos sugerem o que comprar, nos dizem como é melhor tratar o filho, e, acima de tudo, nos ensinam como lidar com nossos problemas.
Quando falo em televisão, muitos lembram de certa emissora em específico. Apenas para ter um nome com o qual lidar, chama-la-ei "Rede Bola de Televisão". Ela tem o compromisso público firmado de mostrar o mundo com imparcialidade, nos mostrar que é possível construir um mundo melhor... enfim, muito bem intencionados e voltados para um público livre.
Alguém percebeu que a coisa não é bem assim. Eles fingem dizer as coisas sem manifestar uma opinião, mas eles a implicitam. As pessoas engolem isso com farinha e, assim, aceitam como certo ou errado aquilo que é dito. Aceitam, por exemplo, que manifesto de rua é baderna. Quem queima carro está errado, então a Inglaterra estava certa em conter a baderna de rua, e aquelas pessoas são provavelmente vagabundos arruaceiros sem nada melhor pra fazer. "Jovens voltando das férias", como ouvi certa repórter perguntar.
Como várias pessoas perceberam a manipulação constante, decidiram se revoltar. Combinaram sua própria Festa da Bola do Facebook, o dia de jogar a Bola no mar. Passaram um dia sem assistir nada de sua programação.
No dia seguinte, todos estavam na praia recolhendo suas parcelas do chá. A lição já estava passada, podemos voltar a assistir a Rede Bola.
O fiasco é bastante simples: se eu assisto à Rede Bola todos os dias e interrompo essa frequência por um único dia, eu mostro... que consigo passar um dia sem Rede Bola. Um dia antes e um dia depois, eu precisava saber o que acontecia na novela. Eu precisava ver o jornal deles.
Para você que passou um dia sem Rede Bola, parabéns. Minha vez de dizer "grandes bosta". Como forma de protesto, você cagou na sala e, depois, estava abanando o rabo para seu dono e aguardando o afago de costume.
Se você não quer ser obrigado a comprar o chá da Inglaterra, você deixa de comprar o chá da Inglaterra. Se você não quer ser manipulado pela Rede Bola, você troca de canal. Ou faça melhor, desligue a TV. Seja como for, não pense que é um revolucionário: você não está fazendo nada grande, só está deixando de fazer algo idiota.
2 comentários:
Muito bom, muito bom mesmo. Só que eu imagino o que se passava na sua cabeça pra escrever um texto assim....geralmente você não é tão direto, é legal ler nas entrelinhas :)
Lembrando que isso não acontece só no Brasil... O que nos leva a mais um momento de indignação com a sociedade da lista "Motivos pelos quais destruir a humanidade".
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